Carta Maior – Internacional – Cartas de Geisel a Videla mostram elos da Operação Condor

Jorge Videla cumpriu o papel que dele se esperava na Operação Condor, o pacto terrorista que há 27 anos ocupou um capítulo importante na agenda argentina com o Brasil. O ditador Ernesto Geisel recebeu de bom grado a “nova” política externa

Documentos até hoje secretos, obtidos por carta Maior, mostram correspondência entre Jorge e Videla e Ernesto Geisel e indicam colaboração das duas ditaduras no pacto terrorista que foi a Operação Condor.

Documentos até hoje secretos, obtidos por carta Maior, mostram correspondência entre Jorge e Videla e Ernesto Geisel e indicam colaboração das duas ditaduras no pacto terrorista que foi a Operação Condor.

do processo de reorganização nacional (e internacional), tal como se lê nos documentos, em sua maioria secretos, até hoje, obtidos pela Carta Maior.

“Foi com a maior satisfação que recebi, das mãos do excelentíssimo senhor contra-almirante César Augusto Guzzetti, ministro de Relações Exteriores, a carta em que Sua Excelência teve a gentileza de fazer oportunas considerações a respeito das relações entre nossos países…que devem seguir o caminho da mais ampla colaboração”.

A correspondência de Ernesto Beckman Geisel dirigida a Videla exibe uma camaradagem carregada de adjetivos que não era característico desse general, criado numa família de pastores luteranos alemães.

“O Brasil, fiel a sua História e ao seu destino irrenunciavelmente americanista, está seguro de que nossas relações devem basear-se numa afetuosa compreensão…e no permanente entendimento fraterno”, extravasa Geisel, o mesmo que havia reduzido a quase zero as relações com os presidentes Juan Perón e Isabel Martinez, quando seus embaixadores na Argentina pareciam menos interessados em visitar o Palácio San Martin do que frequentar cassinos militares, trocando ideias sobre como somar esforços na “guerra contra a subversão”.

A carta de Geisel a Videla, de 15 de dezembro de 1976, chegou a Buenos Aires dentro de uma “mala diplomática”, não por telefone, como era habitual. No documento consta “secreto e urgentíssimo”, ao lado dessa nota.
Em 6 de dezembro de 1976, nove dias antes da correspondência de Geisel, o presidente João Goulart havia morrido, em seu exílio de Corrientes, o qual, de acordo com provas incontestáveis, foi um dos alvos prioritários da Operação Condor no Brasil, que o espionou durante anos na Argentina, no Uruguai e na França, onde ele realizava consultas médicas por causa de seu problema cardíaco.

Mais ainda: está demonstrado que, em 7 de dezembro de 1976, a ditadura brasileira proibiu a realização de necropsia nos restos do líder nacionalista e potencial ameaça, para que não respingassem em Geisel a parada cardíaca de origem incerta.

Não há elementos conclusivos, mas suspeitas plausíveis, de que Goulart foi envenenado com pastilhas misturadas entre seus medicamentos, numa ação coordenada pelos regimes de Brasília, Buenos Aires e Montevidéu, e assim o entendeu a Comissão da Verdade, da presidenta Dilma Rousseff, ao ordenar a exumação do corpo enterrado na cidade sulista de São Borja, sem custódia militar, porque o Exército se negou a dar-lhe há 10 dias, depois de receber um pedido das autoridades civis.

Voltemos à correspondência de Geisel de 15 de dezembro de 1976.

O brasileiro escreveu em resposta a outra carta, de Videla (de 3 de dezembro de 1976), na qual ele se dizia persuadido de que a “Pátria…vive uma instância dinâmica no plano das relações internacionais, particularmente em sua ativa e fecunda comunicação com as nações irmãs”.

“A perdurável comunidade de destino americano nos assinala hoje, mais do que nunca, o caminho das realizações compartilhadas e a busca

das grandes soluções”, propunha Videla, enterrado ontem junto aos crimes secretos transnacionais sobre os quais não quis falar perante o Tribunal Federal N1, onde transita o mega processo da Operação Condor.

Os que estudaram essa trama terrorista sul-americana sustentam que ela se valeu dos serviços da diplomacia, especialmente no caso brasileiro, onde os chanceleres teriam sido funcionais aos imperativos da guerra suja.

Portanto, esse intercâmbio epistolar enquadrado na diplomacia presidencial de Geisel e Videla, pode ser lido como um contraponto de mensagens cifradas sobre os avanços do terrorismo binacional no combate à resistência brasileira ou argentina. Tudo em nome do “interesse recíproco de nossos países”, escreveu Videla.
Em dezembro de 1976, 9 meses após a derrubada do governo civil, a tirania argentina demonstrava que, além de algumas divergências geopolíticas sonoras com o sócio maior, havia de fato uma complementariedade das ações secretas “contra a subversão”.

Assim, pouco após a derrubada de Isabel Martínez, o então chanceler brasileiro e antes embaixador em Buenos Aires, Francisco Azeredo da Silveira, recomendou o fechamento das fronteiras para colaborar com Videla, para impedir a fuga de guerrilheiros e militantes argentinos.
Por sua parte, Videla, assumindo-se como comandante do Condor celeste e branco, autorizava o encarceramento de opositores brasileiros, possivelmente contando com algum nível de coordenação junto aos adidos militares (os mortíferos “agremiles”) destacados no Palácio Pereda, a mansão de linhas afrancesadas onde tem sede a missão diplomática na qual, segundo versões, havia um número exagerado de armas de fogo.

Entre março, mês do golpe, e dezembro de 1976, foram sequestrados e desaparecidos na Argentina os brasileiros Francisco Tenório Cerqueira Júnior, Maria Regina Marcondes Pinto, Jorge Alberto Basso, Sergio Fernando Tula Silberberg e Walter Kenneth Nelson Fleury, disse o informe elaborado pelo Grupo de Trabalho Operação Condor, da Comissão da Verdade.

O organismo foi apresentado por Dilma Rousseff perante rostos contidamente iracundos dos comandantes das Forças Armadas, os únicos, entre as centenas de convidados para a cerimônia, que evitaram aplaudi-la.
Ao finalizar o ato realizado em novembro de 2011, o então secretário de Direitos Humanos argentino Eduardo Luis Duhalde, declarava a este site que um dos segredos melhor guardados da Operação Condor era a participação do Brasil e

a sua conexão com a Argentina, e que essa associação delituosa só será revelada quando Washington liberar os documentos brasileiros com a mesma profusão com que liberou os documentos sobre a Argentina e o Chile.

Averiguar até onde chegou a cumplicidade de Buenos Aires e Brasília será mais difícil depois do falecimento de Videla, mas não há que se subestimar as pistas diplomáticas.

Em 6 de agosto de 1976, um telefonema “confidencial” degravado na embaixada brasileira informa aos seus superiores que o ministro de Rela

ções Exteriores Guzzetti falou sobre a “nova” política externa vigente desde que “as forças armadas assumiram o poder” e a da vocação de aproximar-se mais do Brasil, após anos de distanciamento.

Ao longo de 1976, os chanceleres Azeredo da Silveira e Guzzetti mantiveram reuniões entre si e com o principal fiador da Condor, Henry Kissinger que, segundo os documentos que vieram a público há anos a pedido do “Arquivo Nacional de Segurança” dos EUA, recomendou a ambos ser eficazes na simulação no trabalho de extermínio dos inimigos.

“Nós desejamos o melhor para o novo governo (Videla)…desejamos seu êxito…Se há coisas a fazer, vocês devem fazê-las rápido…”, recomendou o Prêmio Nobel da Paz estadunidense, ao contra-almirante e chanceler Guzzetti, em junho d

e 1976.

Tradução: Katarina Peixoto

Publicado originalmente:http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22068&utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_Carta_Maior__18052013

 

 

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Livro escrito em 66 prova que tortura começou antes do AI-5 e está disponível para download

A Comissão da Verdade divulgou nesta semana que a tortura, praticada por agentes do Estado, começou logo depois do golpe de 64 e, portanto, antes do chamado “endurecimento do regime”, que se deu através Ato Institucional nº 5 (AI-capa_tortura_torturados5) decretado em 13 de Dezembro de 1968.

Há um livro do já falecido jornalista e ex-deputado federal Marcio Moreira Alves chamado “Torturas e Torturados”, que nunca chegou às livrarias, pois os militares recolheram quase todos os exemplares ainda na editora, ficando apenas alguns com o próprio Moreira Alves.

Esse livro foi escrito em 1966 e lá estão provas do que hoje diz a Comissão da Verdade.

 

Segue o link: 

http://www.marciomoreiraalves.com/livro.1966.htm

Fonte- Publicado originalmente em http://quemtemmedodademocracia.com/2013/05/26/livro-escrito-em-66-prova-que-tortura-comecou-antes-do-ai-5-e-esta-disponivel-para-download/?fb_source=pubv1

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Laudo da Comissão da Verdade desmente suicídio de militante

Um laudo pericial produzido para a Comissão Nacional de Verdade desmonta a versão oficial de que o ex-militante da Ação Liberta

Cena da morte de Luiz Eurico foi montada, diz perícia /foto: Reprodução

Cena da morte de Luiz Eurico foi montada, diz perícia /foto: Reprodução

dora Nacional (ALN) Luiz Eurico Tejera Lisbôa tenha se suicidado com um tiro na cabeça num quarto de uma pensão, em São Paulo, em 1972. Três peritos assinam o documento que contesta versão do regime militar sobre Eurico, primeiro desaparecido político a ter seu corpo encontrado.

Ele desapareceu em setembro de 1972 e seu corpo foi localizado no cemitério clandestino de Perus em 1980, com nome de Nelson Bueno. Um ano antes, em 1979, Suzana Lisbôa, mulher de Eurico e que integrou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do governo federal, localizou o inquérito policial de Bueno, que teria se matado num quarto de pensão. Mas as fotos mostravam que tratava-se de Eurico. A partir daí, exumações foram feitas em Perus até ser encontrado um corpo com as características em que morreu Eurico.

A versão oficial diz que Eurico, com dois revólveres nas mãos, disparou cinco tiros a esmo antes de embrulhar uma das armas na colcha e disparar contra sua própria cabeça. Entre as inconsistências encontradas pelos peritos está no fato de que Eurico estava deitado e o alinhamento da colcha que o cobria era perfeito na sua dobra. O revólver, calibre 38, que teoricamente seria o utilizado para se matar e que estava na sua mão direita, se encontrava num plano distante da mão. “A posição da arma é incompatível com o que deveria ser esperado no caso da queda da arma, após um disparo realizado com a mão direita de Nelson Bueno” (Eurico). O revólver da mão esquerda era um de calibre 32. E ainda não houve confronto balístico entre as armas e o projétil recolhido no local.

O laudo aponta que, inicialmente, a cena de sua morte foi preparada para parecer resistência à prisão, com disparos efetuados pelo militante. “Mas, depois, o corpo, a colcha e as armas foram ajustados para que o local pudesse ser interpretado como de suicídio, mas os próprios vestígios existentes inviabilizam que o local seja interpretado como de suicídio”, diz o laudo, assinado pelos peritos Celso Nenevê, Paulo Cunha e Mauro Yared. Os três elaboraram outros laudos para a comissão.

Suzana Lisbôa, que prestou depoimento à Comissão da Verdade em novembro e também pediu a formulação do laudo, diz que, agora, tem certeza que Eurico foi morto.

— É muito duro esperar 40 anos para saber a verdade, ou parte da verdade. Sei agora, graças ao laudo, que ele foi morto. Mas como, por quem? Espero que a comissão possa nos dizer. Pior ainda são os que, passados mais de 40 anos, não sabem de nada – a não ser que morreram —disse Suzana Lisbôa. — Nós, familiares, somos discriminadas. Não somos as loucas, somos as que sempre cobramos respostas, somos as que lutamos por verdade e justiça durante todos esses anos.

Fonte: O globo

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Comissão Estadual da Verdade realiza oitivas de Almeida Neves e Sebastianni

A Comissão Estadual da Verdade ouviu na quinta-feira (6) o ex-deputado, economista e advogado Léo de Almeida Neves e o jornalista Sylvio Sebastianni. Os depoimentos foram colhidos pela professora Neide de Azevedo Lima, pela advogada Ivete Caribe Rocha e pelo estudioso e militante Marcio Kieller. Dois depoimentos importa

Oitiva de Léo de Almeida Neves.

Oitiva de Léo de Almeida Neves.

ntes para ajudar a trazer luz sobre os fatos do período de exceção no Paraná e no Brasil.

Depois de extinta a legenda com a implantação da ditadura após o golpe de 64, Léo de Almeida Neves e Silvio Sebastianni, ex- ambos ex-dirigentes do antigo PTB, foram organizar o MDB, única forma de militância legal possível.

Léo de Almeida, ex-membro dirigente no cassado governo Jango, depois se elegeu deputado federal pelo MDB, sendo o mais votado do Paraná. Ele acabou tendo também seu mandato cassado em 1969, após  a implantação do AI-5.

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Anistia inaugura monumento às vítimas da ditadura e promove reparação

Foi inaugurado no dia 25 de maio, em Belo Horizonte (MG), um monumento em homenagem aos perseguidos políticos pelo regime militar brasileiro (1964-1985). A iniciativa é da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que pretende lançar outras novemonumentobh obras parecidas pelo país.

De acordo com o ministério, o marco, feito de aço e com uma bandeira do Brasil com o nome de 58 mortos e desaparecidos na época da ditadura, foi inaugurado em frente ao antigo Dops (Departamento de Ordem e Política Social) de Belo Horizonte para “sinalizar às novas gerações aquele espaço de violações, para que a memória fortaleça a cultura da não-repetição”.

O monumento é o primeiro de dez que serão erguidos Brasil afora, do “Trilhas da Anistia”, parte do projeto Marcas da Memória da Comissão, que fomenta atividades culturais e de memória. Eles relembram a luta pela anistia e pela democratização, e serão adaptados a cada contexto regional. Em Minas Gerais, o marco construído em aço traz uma bandeira do Brasil com os nomes dos 58 mineiros mortos e desaparecidos pela ditadura. O local escolhido para o monumento, em frente à sede do antigo DOPS/MG, tem o objetivo de sinalizar às novas gerações aquele espaço de violações, para que a memória fortaleça a cultura da não-repetição.

Conheça os homenageados da 69ª Caravana da Anistia em Belo Horizonte:

1) Angelina Dutra de Oliveira:
Nasceu em 1923. Ferroviária concursada a partir de 1943, foi dirigente dos Funcionários Públicos Federais e do Movimento de Mulheres em Minas Gerais. Presa em 1964, durante um mês, em Belo Horizonte, voltou a ser presa em 1969 no Rio de Janeiro junto com duas filhas e um neto de dois anos de idade. Exilou-se na Argélia em 1970 e viveu no Chile, Panamá, Bélgica, Portugal e Angola até retornar ao Brasil em 1978. Vive no Rio de Janeiro.

2) Antônio Ribeiro Romanelli:
Nasceu em 1928, é advogado e professor da UFMG e PUC/MG. Presidiu e defendeu as Ligas Camponesas de Minas Gerais no período do governo militar. Sofreu quatro meses de prisão e condenação pela Justiça Militar, além de nove anos de reclusão por força do Ato Institucional Nº 2 (AI-2). Autor do livro “Minhas Memórias do Cárcere e do Exílio”, que conta experiências durante os anos de exílio no Chile, entre outras obras publicadas.

3) Carmela Pezzuti (post mortem):
Em 1968 entrou na organização Colina (Comando de Libertação Nacional) na luta pela derrubada do regime militar. Foi presa em 1969 e teve seus filhos Ângelo e Murilo também presos e torturados. Participou da Var-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária) no Rio de Janeiro, com o codinome “Lúcia”. Em 1970 foi trocada pelo embaixador suíço e banida para o Chile, sem nunca ter sido julgada e condenada. Com o golpe de 1973 no Chile, Carmela viveu na Itália e França, com intensa participação nos comitês políticos. Voltou ao Brasil em 1979, com a decretação da Anistia. Faleceu em novembro de 2009, em Belo Horizonte.

4) Conceição Imaculada de Oliveira:
Começou a militar aos 16 anos, a convite de Benigno Silveira, do PCB, à época Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de MG. Após o golpe de 1964 assumiu uma diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos. Com a radicalização do golpe passou a atuar no grupo Corrente, dissidência do PCB em BH. Foi presa em 1969 e trocada pelo embaixador suíço em 1971, viveu no Chile e em Cuba.

5) Maria Geralda Gomes Diniz:
Casou-se aos vinte anos com o militante político do PCB, Davi Rodrigues Diniz. Toda a família foi vítima da ditadura militar do Brasil.

6) Terezinha Martins Rabêlo (post mortem):
Ficou sozinha no Brasil com seus sete filhos quando seu marido, José Maria Rabêlo, teve de deixar o Brasil para fugir das perseguições do regime militar. Nessa ocasião, viu sua casa invadida e saqueada mais de uma vez. Um ano depois, vivendo sob as maiores ameaças da repressão, conseguiu viajar para o Chile, acompanhada de seus filhos, onde iria sofrer todas as consequências do golpe contra Allende.

7) Oroslinda Maria Taranto Goulart (Linda Goulart)
Entrou para a POLOP ainda como estudante de jornalismo, em 1965. Integrou a COLINA , passou a atuar no movimento operário. Participou da histórica greve de abril de 1968. Em 1969 foi para a clandestinidade, morou no Rio de Janeiro e atuou na VAR-Palmares, viveu em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Em 1976, com intermediação de Dilma Rousseff, companheira de organização desde a Polop, recontatou a família e voltou a Belo Horizonte em 1977. Participou do Movimento Feminino pela Anistia.

 

Relação de militantes políticos mineiros mortos e desaparecidos durante a ditadura militar

1 – Abelardo Rausch Alcântara – 12 de fevereiro 1970 – Brasília
2 – Adriano Fonseca Filho – ARAGUAIA – 28 de novembro de 1973
3 – Alberto Aleixo – 07 de agosto de 1975 – Rio de Janeiro
4 – Antônio Carlos Bicalho Lana – 30 de novembro de 1973 – São Paulo
5 – Antônio Joaquim de Souza Machado – 15 de fevereiro de 1971- Rio deJaneiro
6 – Antônio dos Três Reis de Oliveira – 17 de maio de 1970 – Paraná
7 – Arnaldo Cardoso Rocha – 15 de março de 1973 – São Paulo
8 – Augusto Soares da Cunha – 01 de abril de 1964 – Governador Valadares
9 – Áurea Elisa Pereira Valadão – ARAGUAIA – 13 de junho de 1974
10 – Benedito Gonçalves – 20 de agosto de 1979
11 – Carlos Alberto Soares de Freitas – 15 de fevereiro de 1971 – Rio de Janeiro
12 – Carlos Antunes da Silva – 16 de janeiro de 1970 – Belo Horizonte
13 – Carlos Schirmer – 01 de maio de 1964 – Divinópolis
14 – Ciro Flávio Salazar Oliveira – ARAGUAIA – 30 de setembro de 1972
15 – Daniel José de Carvalho – 13 de julho de 1974 – Paraná
16 – David de Souza Meira – 01 de abril de 1968 – Rio de Janeiro
17 – Devanir José de Carvalho – 07 de Abril de 1971 – São Paulo
18 – Eduardo Antônio da Fonseca – 23 de dezembro de 1971 – São Paulo
19 – Eduardo Collen Leite – Bacuri – 08 de dezembro 1970 – São Paulo
20 – Elson Costa – 15 de janeiro de 1975 – São Paulo
21 – Feliciano Eugênio Neto – 29 de setembro de 1976 – São Paulo
22 – Geraldo Bernardo da Silva – 17 de julho de 1969 – Rio de Janeiro
23 – Getúlio de Oliveira Cabral – 29 de dezembro de 1972 – Rio de Janeiro
24 – Gildo Macedo Lacerda – 28 de Outubro de 1973 – Recife
25 – Guido Leão – setembro de 1979 – Betim
26 – Hamilton Pereira Damasceno – fevereiro de 1972 – Rio de Janeiro
27 – Helber José Gomes Goulart – 16 de julho de 1973 – São Paulo
28 – Hélcio Pereira Fortes – 28 de janeiro de 1972 – São Paulo
29 – Idalísio Soares Aranha Filho -ARAGUAIA – 12 de julho 1972
30 – Itair José Veloso – 25 de maio de 1975 – São Paulo
31 – Ivan Mota Dias – 15 de maio de 1971- Rio de Janeiro
32 – Jeová Assis Gomes – 09 de janeiro de 1972 – Goiás
33 – João Batista Franco Drummond – 16 de outubro de 1976 – São Paulo
34 – João Bosco Penido Burnier – Padre – 11 de outubro de 1976 – Goiânia
35 – Joel José de Carvalho – 13 de julho de 1974
36 – José Carlos Novaes da Mata Machado – 28 de outubro de 1973 – Recife
37 – José Júlio de Araújo – 18 de agosto de 1972 – São Paulo
38 – José Maximino de Andrade Netto – 18 de agosto de 1975 – São Paulo.
39 – José Toledo de Oliveira – ARAGUAIA – 21 de setembro de 1972
40 – Juarez Guimarães de Brito – 18 de abril de 1970 – Rio de Janeiro
41 – Lucimar Brandão Guimarães – 31 de julho de 1970 – Belo Horizonte
42 – Maria Auxiliadora Lara Barcelos – 01 de junho de 1976 – Alemanha
43 – Nativo Natividade de Oliveira – 23 de outubro de 1985 – Goiás
44 – Nelson José de Almeida – 11 de abril de 1969 – Teófilo Otoni
45 – Oracílio Martins Gonçalves – 30 de julho de 1979
46 – Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior – 08 de outubro de 1975 – São Paulo
47 – Osvaldo Orlando da Costa – ARAGUAIA – abril de 1974
48 – Otávio Soares Ferreira da Cunha – 04 de abril de 1964
49 – Paschoal Souza Lima – 30 de março 1964 – Governador Valadares
50 – Paulo Costa Ribeiro Bastos – 11 de Julho de 1972 – Rio de Janeiro
51 – Paulo Roberto Pereira Marques – ARAGUAIA – dezembro 1973
52 – Pedro Alexandrino Oliveira Filho – ARAGUAIA – 04 de agosto de 1974
53 – Raimundo Eduardo da Silva – 05 de Janeiro de 1971 – São Paulo
54 – Raimundo Gonçalves de Figueiredo – 28 de abril de 1971 – Recife
55 – Rodolfo de Carvalho Troiano – ARAGUAIA – 12 de janeiro 1974
56 – Walquíria Afonso Costa – ARAGUAIA – 25 de dezembro de 1974
57 – Walter de Souza Ribeiro – ARAGUAIA – 03 de abril 1974
58 – Zuleika Angel Jones – ZUZU ANGEL – 14 de abril de 1976 – Rio de Janeiro

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Íntegra do depoimento da historiadora Dulce Pandolfi à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro

“Por acreditar que no Brasil de hoje a busca pelo “direito à verdade e à memória” é condição essencial para nos libertarmos de um passado que não podemos esquecer, aceitei o convite da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro para fazer hoje, aqui, esse depoimento.
Mesmo sem nenhum mandato, quero falar em nome dos presos, torturados, assassinados e desaparecidos pela ditadura militar que vigorou no nosso país entre 1964 e 1985.

Como historiadora, sei que a memória não diz respeito apenas ao passado. Ela é presente e é futuro. Os testemunhos que estão sendo dados à Comissão da Verdade, embora sobre o passado, dizem respeito ao presente e apontam para o futuro, por isto mesdulce-pandolfimo espero que ajudem a construir um Brasil mais justo e solidário. Sei também que da memória – sempre seletiva – , fazem parte o silêncio e o esquecimento. Por isso, nessas minhas fortes lembranças, permeadas por ruídos, odores, cores e dores, estarão presentes ausências e esquecimentos.
Nascida e criada em Recife, fiz parte de uma geração que sonhou e lutou muito. Queríamos romper com as tradições, acabar com miséria e com as injustiças sociais, reformar a universidade, derrubar a ditadura, enfim, queríamos transformar o Brasil e o mundo.

Em 1968, um ano marcado por muitas paixões e fortes embates políticos e ideológicos, eu, cursando o segundo ano de Ciências Sociais, fui eleita secretária geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Pernambuco, DCE, entidade que congregava todos os estudantes daquela universidade. Naquele ano o movimento estudantil explodiu por toda parte. No Brasil, depois da famosa Passeata dos Cem Mil, realizada aqui no Rio de Janeiro e que tentamos replicar nas diversas capitais do país, o ano terminou com a decretação do Ato Institucional n. 5. A partir daí, as prisões, as mortes e as torturas, iniciadas em 1964, aumentaram. A radicalização do regime, para muitos de nós, justificava a continuidade da nossa luta. Foi também em 1968 que ingressei em uma organização de esquerda armada, a Ação Libertadora Nacional, ALN.

No início de 1970, perseguida pelos órgãos da repressão, fugi do Recife e vim para o Rio de Janeiro. Poucos meses depois, fui presa.
Naquela noite do dia 20 de agosto de 1970, no momento em que entrei no quartel da Polícia do Exército situado na Rua Barão de Mesquita número 425, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, ouvi uma frase que até hoje ecoa forte nos meus ouvidos: “Aqui não existe Deus, nem Pátria, nem Família. Só existe nós e você.” Hoje, passados mais de 40 anos, penso no efeito que aquela frase produziu, em mim. Com vinte e um anos de idade, cheia das certezas e transbordando de paixões, eu não queria morrer. Embora totalmente acuada e literalmente apavorada, aquela frase, não deixava a menor dívida para algo que eu já sabia, mas que naquele momento ganhou força e concretude. Não havia comunicação ou negociação possível entre aqueles dois mundos: o meu e o deles.

Era naquele quartel que funcionava o DOI CODI. O prédio tinha dois andares. Diferentemente do que muitos dizem, aquele lugar não era um “porão da ditadura”, um local clandestino. Embora ali não existisse “nem Deus, nem pátria, nem família”, eu estava em numa dependência oficial do Exército brasileiro. Uma instituição que funcionava a todo vapor, com todos os seus rituais, seus símbolos, seus hinos, sua rotina. Ali fiquei mais de três meses.

Na andar térreo, tinha a sala de tortura, com as paredes pintadas de roxo e devidamente equipada, outras salas de interrogatório com material de escritório, essas às vezes usadas, também, para torturar, e algumas celas mínimas, chamadas solitárias, imundas, onde não havia nem colchão. Nos intervalos das sessões de tortura, os presos eram jogavam ali. No segundo andar do prédio havia algumas celas pequenas e duas bem maiores, essas com banheiro e diversas camas beliches. Foi numa dessas celas que passei a maior parte do tempo.

Normalmente os torturadores, embora quase todos militares, andavam à paisana. Os fardados cobriam com um esparadrapo o nome que estava gravado em um dos bolsos do uniforme. Cabia aos cabos e soldados, cuidar da infraestrutura. Eram eles que fechavam e abriam as celas, nos levavam para os interrogatórios, ou melhor, para as sessões de tortura, faziam a ronda noturna, levavam as nossas refeições. Ali não havia banho de sol, visita familiar, conversa com advogado. Nenhum contato com o mundo lá de fora. Naquela fase, éramos presos clandestinos. Só saíamos das celas para os interrogatórios, de olhos vedados, sempre com um capuz preto na cabeça. Quase todos os que faziam o trabalho de infraestrutura, incorporavam o ambiente da tortura. Mas, tinham algumas exceções. Um dos soldados, por exemplo, me deu um pedaço de papel e uma caneta para eu escrever uma carta para meus pais. E, de fato, a carta chegou ao destino.

Durante os mais de três meses que fiquei no DOI CODI, fui submetida, em diversos momentos a diversos tipos de tortura. Umas mais simples, como socos e pontapés. Outras mais grotescas como ter um jacaré, andando sobre o meu corpo nu. Recebi muito choque elétrico e fiquei muito tempo pendurada no chamado “pau de arara”: os pés e os pulsos amarrados em uma barra de ferro e a barra de ferro, colocada no alto, numa espécie de cavalete. Um dos requintes era nos pendurar no pau de arara, jogar água gelada e ficar dando choque elétrico nas diversas partes do corpo molhado. Parecia que o contato da água com o ferro, potencializava a descarga elétrica. Embora, essa tenha sido a tortura mais frequente havia uma alternância de técnicas. Uma delas, por exemplo, era o que eles chamavam de “afogamento”. Amarrada num cadeira, de olhos vedados, tentavam me sufocar, com um pano ou algodão umedecido com algo com um cheiro muito forte, que parecia ser amônia.
De um modo geral, para os presos, a barra mais pesada ocorria nas primeiras 24 horas após a prisão. Era a corrida contra o tempo: para eles e para nós. Durante essas primeiras horas, duas eram as perguntas básicas: ponto e aparelho. Ponto era o local, na rua, onde os militantes se encontravam e aparelho era o local de moradia ou de reunião.

Não sei quanto tempo durou a minha primeira sessão. Só sei que ela acabou quando eu cheguei no limite. Muito machucada, e sem conseguir me locomover, ouvi, ao longe, um bate boca entre os torturadores se eu deveria ou não ser levada para o Hospital Central do Exército. A minha prisão, consequência de um contato familiar, tinha muita testemunha. Ou seja, muitos familiares, que nada tinham a ver a minha militância foram presos e levados para o DOI CODI. Sobre essas prisões nada ficou documentado.

Quando eu passei a correr risco de vida, montaram uma pequena enfermaria em uma das celas do segundo andar. Ali fui medicada, ali fiquei tomando soro. Meu corpo parecia um hematoma só. Por conta, sobretudo, da grande quantidade de choque elétrico, fiquei com o corpo parcialmente paralisado. Achava que tinha ficado paralítica. Aos poucos fui melhorando. Fiquei um bom tempo sem descer para a sala roxa. Mas, ouvir gritos dos outros companheiros presos e ficar na expectativa de voltar, a qualquer momento para a sala roxa, era enlouquecedor.

Uma noite, que não sei precisar quando, desci para a sala roxa para ser acareada com o militante da ALN, Eduardo Leite, conhecido como Bacuri. Lembro até hoje dos seus olhos, da sua respiração ofegante e do seu caminhar muito lento, quase arrastado, como se tivesse perdido o controle das pernas. Num tom sarcástico, o torturador dizia para nós dois, na presença de outros torturadores: “viram o que fizeram com o rapaz. Essa turma do Cenimar é totalmente incompetente. Deixaram o rapaz nesse estado, não arrancaram nada dele e ainda prejudicaram nosso trabalho”. No dia 8 de dezembro daquele ano, mataram Bacuri.

Durante o tempo que fiquei sozinha na tal cela grande do segundo andar, com muita dor, sem ter absolutamente nada para fazer, achava que ia enlouquecer. Para passar o tempo, inventei duas atividades: contar os ladrilhos do chão e fazer pequenas tranças com palhas retiradas dos colchões.

Foi nessa mesma cela que, naqueles primeiros dias, foi acolhida, durante alguns minutos, por Ana Burzitin, encarregada de dar meu primeiro banho. Depois de algum tempo , chegaram ou passaram por lá Cecília Coimbra, que também me ajudava no banho, Margarida Solero, a canadense Tânia Chao, Maria do Carmo Menezes, Carmela Pezzutti, Vânia, Marcia e Josi. Todas igualmente torturadas. Juntas, totalmente apoiadas umas nas outras, chorávamos, cantávamos e rezávamos muito.
No dia 20 de outubro, dois meses depois da minha prisão e já dividindo a cela com outras presas, servi de cobaia para uma aula de tortura. O professor, diante dos seus alunos fazia demonstrações com o meu corpo. Era uma espécie de aula prática, com algumas dicas teóricas. Enquanto eu levava choques elétricos, pendurada no tal do pau de arara, ouvi o professor dizer: “essa é a técnica mais eficaz”. Acho que o professor tinha razão. Como comecei a passar mal, a aula foi interrompida e fui levada para a cela. Alguns minutos depois, vários oficiais entraram na cela e pediram para o médico medir minha pressão. As meninas gritavam, imploravam, tentando, em vão, impedir que a aula continuasse. A resposta do médico Amilcar Lobo, diante dos torturadores e de todas nós, foi: “ela ainda aguenta”. E, de fato, a aula continuou. A segunda parte da aula foi no pátio. O mesmo onde os soldados diariamente, faziam juramento à bandeira, cantavam o hino nacional. Ali fiquei um bom tempo amarrada num poste, com o tal do capuz preto na cabeça. Fizeram um pouco de tudo. No final, avisaram que, como eu era irrecuperável, eles iriam iam me matar, que eu ia virar “presunto”’, um termo usado pelo Esquadrão da Morte. Ali simularam meu fuzilamento. Levantaram rapidamente o capuz, me mostraram um revolver, apenas com uma bala, e ficaram brincando de roleta russa. Imagino que os alunos se revezavam no manejo do revolver porque a “brincadeira” foi repetida várias vezes.
No final de novembro fui transferida para o DOPS, na rua da Relação, no centro do Rio de Janeiro. Ali, durante um mês, fiquei numa cela com a médica Germana Figueiredo. A ela, também, muito devo. Com o dobro da minha idade, cuidou de mim como uma mãe. Durante a minha estadia no DOPS fui levada para o Instituto Médico Legal, IML, para fazer um exame de corpo de delito. Achavam que eu seria uma das presas políticas trocadas pelo embaixador suíço, sequestrado no dia 8 de dezembro. Uma das exigências da embaixada era que os prisioneiros que fossem trocados pelo embaixador tivessem um laudo médico oficial do Estado brasileiro sobre o seu estado físico. E eu, quase quatro meses depois, ainda estava marcada pelas torturas. Essas marcas constam do laudo oficial do IML, que, o meu advogado Heleno Fragoso, conseguiu anexar ao meu processo. Mas, no final de dezembro, ao invés de sair rumo ao Chile, como os companheiros que foram trocados pelo embaixador suíço, eu fui transferida para o presídio Talavera Bruce, em Bangu, zona norte do Rio de Janeiro. Depois de ter ficado ali quase seis meses, enfrentando uma barra basta nte pesada, fui transferida para o presídio Bom Pastor, em Recife.

Ao todo fiquei presa um ano e quatro meses. Como tinha vários processos, mas nenhum julgamento concluído, saí da prisão no dia 14 de dezembro de 1971, com um recurso jurídico chamado “relaxamento de prisão preventiva”. Era uma espécie de “liberdade condicional”. Tinha várias restrições e não podia me ausentar do país. Anos depois, a Justiça Militar me absolveu. Mas, nenhuma absolvição pode apagar os métodos utilizados durante o tempo que estive presa sob a responsabilidade do Estado brasileiro.

No momento em que estava escrevendo esse depoimento, me veio à cabeça um texto que li, também no famoso ano de 1968, no curso de literatura que fazia na Aliança Francesa de Recife. Esse texto, que muito me mobilizou tem o título de J’Accuse, em português, Eu Acuso. Em carta endereçada ao Presidente da República Francesa, escrita m 1898, o escritor francês Emile Zola fazia uma defesa pública de Alfred Dreyfus, preso e condenado à morte por conta de uma falsidade e de um grave erro judicial. Começando todas as frases da carta com a expressão Eu Acuso, aquele documento produziu um enorme impacto na sociedade francesa. Obviamente sem a pretensão literária de Zola, mas esperando que os trabalhos da Comissão da Verdade produzam também impacto forte na sociedade brasileira, eu finalizo esse meu depoimento, fazendo uma espécie de plágio ao texto do famoso escritor francês.
Eu acuso todos os torturadores, civis e militares, inclusive aqueles que diziam e continuam dizendo que estavam apenas cumprindo ordens dos seus superiores.
Eu acuso os altos oficiais e comandantes do Exército brasileiro que, em visitas oficiais ao DOI CODI, entravam nas nossas celas e faziam gracejos com as nossas torturas. Em uma dessas visitas, um desses oficiais, colocou seu acompanhante, um cão pastor, para lamber minhas feridas.

Eu acuso quem, durante a minha primeira sessão de tortura, me deu uma injeção na veia, dizendo ser o tal “soro da verdade”.

Eu acuso o major da Polícia Militar Riscala Corbaje, conhecido como doutor Nagib, que ao perceber que o tal soro da verdade não havia produzido o efeito esperado, me levou para uma pequena sala, me deitou no chão, subiu nas minhas costas, começou a pisotear e me bater com um cassetete, dizendo, aos gritos, que ia me socar até a morte. O seu descontrole foi tamanho e seus gritos tão estridentes que os outros torturadores entraram na sala e arrancaram ele de cima de mim.
Eu acuso o major do Exército João Câmara Gomes Carneiro, conhecido como Magafa, que em uma daquelas noites, dias depois que eu havia saído do soro, me deixou durante algumas horas, em pé, com um capuz na cabeça e os fios amarrados nos meus dedos. De tempos em tempos ele cochichava nos meus ouvidos que eu tivesse “um pouco de paciência” porque ele estava muito ocupado, mas que “a sessão dos choques elétricos iria começar a qualquer momento”. Para mim aquele foi um tempo quase infinito. A despeito de ser aquela uma noite muito fria, quando voltei para a cela, minha roupa estava totalmente molhada, colada no corpo, de tanto que eu havia transpirado de medo.

Eu acuso o médico Amilcar Lobo que fez uso dos seus conhecimentos médicos para auxiliar no esquema da tortura. Um dia, diante do nosso clamor para que ele tentasse impedir que Maria do Carmo Menezes, grávida de cinco meses, continuasse sendo torturada, ele nos respondeu: “comunista não pode engravidar”.
Eu acuso o cabo Gil, um dos responsáveis pela infraestrutura do quartel da PE. O seu sadismo era sem fim. Lembro até hoje do barulho forte das chaves quando ele abria a porta da nossa cela com o capuz na mão. Propositalmente, ele demorava um tempo e, como se tivesse fazendo um sorteio, dizia: “acho que agora é sua vez”. Descer as escadas de olhos vedados, guiadas por ele, era um horror. Sempre inventava mais um degrau ou colocava o pé para nós tropeçarmos.

Eu acuso o agente da Polícia Federal Luiz Timóteo de Lima, conhecido como Padre, que me deu muito choque elétrico.

Eu acuso o coronel da reserva Paulo Malhães que em recente entrevista ao jornal O GLOBO, no dia 26 de junho de 2012, afirmou que em 1970, trouxe do rio Araguaia cinco jacarés e levou para quartel da PE na rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, para atemorizar os presos políticos.
Eu acuso todos os que assistiram e os que ministram aulas de torturas comigo e com outros presos.

Eu acuso a diretora do Presídio Talavera Bruce em Bangu, no Rio de Janeiro, que me deixou durante seis meses, sozinha, isolada, numa cela mínima, insalubre, chamada solitária. Em solitárias semelhantes estavam, naquele mesmo período, as presas políticas Estrela e Jessie Jane.

Eu acuso os ex presidentes da República Humberto Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. A despeito das divergências entre eles e das diferentes conjunturas em que chefiaram o país, todos, sem exceção, foram responsáveis e coniventes com a tortura.
Finalmente, eu acuso o regime ditatorial implantado no Brasil em 1964, que fez da tortura, uma política de Estado.”

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SC: praça Castelo Branco poderá ter novo nome

O debate sobre a Comissão Nacional da Verdade poderá causar reflexo imediato na construção da história da cidade. É que uma das medidas incentivadas em todo o país está a retirada do nome de ditadores e torturadores de espaços públicos. Em Içara caberia então uma nova figura para ser homenageada no lugar do Humberto de Alencar Castelo Branco. O primeiro presidente da ditadura militar brasileira empresta o nome para a praça em que está instalado o Poder Executivo do município.

“Entendo que caberia o nome de outro presidente. Sugiro João Goulart”, coloca a içarense integrante da resistência à ditadura, presa e torturada pelo regime, Derlei Catarina De Luca. O momento também seria propício para a indicação. Filho de Jango, João Vicent estará na cidade entre os dias 5 e 6 de junho para debates com a sociedade sobre o processo de resgate documental do passado e para solenidades públicas.

“Vamos ter uma sessão solene para homenagear algumas pessoas que lutaram contra a ditadura no país. Por isso seria interessante mudar o nome da praça neste momento. Mas vamos mexer com algo antigo. Será preciso, portanto, uma conversa com todos os vereadores”, aponta o presidente da Câmara Municipal de Içara, Laudelino Calegari (PMDB).

“Na Argentina foram retirados todos os nomes de ditadores das praças e no Brasil este processo começou agora. Eu gosto desta ideia e me apresento aberto a discussão. Entendo também que a substituição tem que ser alguém de renome nacional. Seria importante colocar o João Goulart. Representaria o reconhecimento do município ao governo em que foi eleito e que perdeu com o golpe”, avalia o prefeito Murialdo Canto Gastaldon.

Castelo Branco era cearense e chegou a ser marechal pelo Exército do Brasil. Ele fez parte da Segunda Guerra Mundial contra o RodoviaCasteloBranco_PlacaWnazismo com a Força Expedicionária. Ficou 300 dias em campos de batalha. De volta ao país, atuou no golpe que depôs em 1964 o responsável pela própria indicação na chefia militar, João Goulart. O então presidente foi exilado na Argentina, onde faleceu em 1976 devido a um ataque cardíaco. Esta é a versão oficial. No entanto, existe a suspeita de que foi envenenado.

RENOVAÇÃO – Se confirmada a mudança do nome da Praça Castelo Branco, este não será o único caso da alteração de patrono na cidade. A Escola Antônio João passou a ser chamada de Professora Salete Scotti dos Santos também após ser levantado o histórico do homenageado. A mudança foi justificada por ser um militar semianalfabeto que havia atuado na Guerra do Paraguai e teve o nome imposto ao prédio pela Secretaria de Estado da Educação. Já Salete Scotti foi professora da unidade estadual e fez parte da comissão que havia levantado a discussão na maior escola da cidade.

Fonte- Canal Içara

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Comissão avalia pedir revisão da Anistia

A Lei da Anistia causa preocupações e debates na Comissão da Verdade. Ganha corpo entre seus integrantes a ideia de que o relatório final da comissão, a ser divulgado no segundo semestre de 2014, deve recomendar a revisão da interpretação legal em vigor e a responsabilização penal de agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos no período da ditadura militar.

Atualmente, eles não podem ser responsabilizados pelos crimes que estão sendo apurados pela comissão. Integrantes que defendem a recomendação da mudança argumentam que a lei que criou o grupo, em 2011, incluiu entre suas tarefas sugerir ao Estado brasileirchargemilitaro medidas eficazes para que as violações não se repitam. Uma dessas medidas seria o julgamento de militares e policiais envolvidos em casos de sequestro, tortura, ocultação de cadáveres e outros crimes na ditadura.

Para o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, um dos integrantes do grupo, a Lei de Anistia não interfere no trabalho, uma vez que sua missão é averiguar, esclarecer e documentar as violações de direitos humanos, apontando autorias e responsabilidades. Mas o trabalho da comissão, diz, só vai até aí: “O Ministério Público é quem pode utilizar os documentos e as provas que apresentarmos para tentar responsabilizar penalmente os agentes apontados”.

Indagado se a comissão vai recomendar que os responsáveis pelos crimes sejam julgados, ele diz que o assunto ainda está em análise. Pessoalmente, diz ser favorável a recomendar que o Brasil acate a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o tema.

Em novembro de 2010, o tribunal condenou o Brasil numa ação movida por familiares dos guerrilheiros mortos no Araguaia e impôs ao Estado a obrigação de esclarecer as mortes e localizar os corpos. Ainda considerou inaceitável a concessão de anistia aos perpetradores de crimes contra a humanidade.

Naquele mesmo ano, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a Lei de Anistia.

Há uma forte pressão de familiares de mortos e desaparecidos para que a comissão siga o entendimento da CIDH. Algumas comissões estaduais dedicadas à investigação dos fatos sobre a ditadura também pressionam. A Comissão Rubens Paiva, do Legislativo paulista, começa a distribuir nesta semana o texto da sentença da CIDH para chamar a atenção de que o Brasil não cumpriu até agora as determinações.

Judicialização. Em Pernambuco, o cientista político Manoel Moraes, da Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, observa que a responsabilização penal seria a terceira etapa da chamada justiça de transição: “Começamos com reparação, agora estamos resgatando a memória e esperamos chegar à judicialização dos casos”.

Na avaliação dele, os agentes de Estado já estão conscientes desse processo. “Quando o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra recorreu à Justiça, garantindo o direito de ficar calado em seu depoimento perante a Comissão da Verdade, ele mostrou que está preocupado com o que vem por aí. No fundo, queria ter garantias para não produzir provas contra ele, pois teme que sejam usadas em processos futuros”, disse.

Fonte- O Estado de S. Paulo

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Mais dois militares recorrem após serem convocados pela Comissão da Verdade

Outros dois militares recorreram à Justiça Federal após terem sido convocados pela Comissão Nacional da Verdade para prestar depoimentos sobre violações de direitos humanos no período da ditadura. Os dois seguiram o exemplo do coronel da reserva Carlos Alberto Ustra e, como ele, obtiveram um habeas corpus que lhes garantiu o direito de ficar em silêncio durante o depoimento.

No início do mês, ao ser convocado, Ustra, que comandou o DOI-Codi de São Paulo no início da década de 1970 e é acusado de ter tocharge_-_ditadura_militar2rturado presos políticos, foi à Justiça. Seu advogado, Octávio Augusto de Freitas Costa, ingressou com o pedido na 12ª Vara Federal do Distrito Federal,

Por meio de decisão liminar, a juíza Pollyanna Kelly Maciel Alves disse que ele não poderia se furtar à convocação, mas tinha o direito de ficar em silêncio. Os outros dois militares – o general Valmir Fonseca Azevedo e o coronel Carlos Sérgio Maia Mondaine, ambos também na reserva – contrataram o mesmo advogado e seguiram a mesma trilha.

Fonte- Com agências

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CNV rebate argumento de Ustra sobre mortes no Doi-Codi-SP

Membro da Comissão Nacional da Verdade, Claudio Fonteles atualizou o capítulo II da série de artigos sobre o Estado Ditatorial Militar. Na versão atualizada do texto, Fonteles acrescenta estatísticas sobre prisão e morte produzidas pelo próprio Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do II Exército em São Paulo (DOI-CODI/SP) e rebate o argumento do coronel reformado Carlos Alberto Brilh

Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra.

ante Ustra de que as mortes aconteceram em combate.

Para Fonteles, a justificativa de que as mortes aconteceram “em combate”, apresentada por Ustra no dia 10 de maio perante a Comissão Nacional da Verdade, “não tem o menor cabimento”. Veja aqui a versão em alta qualidade do depoimento de Ustra à CNV, postado hoje no Youtube da Comissão Nacional da Verdade. O link já indica ao internauta o trecho da audiência em que ocorre o debate em torno da estatística.

Na tomada pública de depoimento de Ustra, o membro da CNV indagou o ex-comandante do Doi-Codi no período de 1970 à 1974 sobre as mortes apontadas em dois documentos produzidos pelo próprio II Exército e que estão a disposição no Arquivo Nacional. Os documentos são uma espécie de “estatística da repressão” e indicam dados como entrada e saída de presos e mortes naquela dependência.

A estatística de outubro de 1973 aponta que, desde sua criação, em 1970, 1786 pessoas foram presas pelo Doi-Codi de São Paulo, sendo 45 mortos. No mês seguinte, novembro, a estatística é atualizada e indica 1804 prisões e 47 mortes.

Segundo membros do próprio Exército ligados a repressão, 51 pessoas foram mortas no Doi-Codi de São Paulo sob os comandos de Carlos Alberto Brilhante Ustra e seu sucessor, Audir Santos Maciel. O dado faz parte da monografia do coronel Freddie Perdigão Pereira, morto em 1997, apresentada na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Perdigão foi um dos expoentes da repressão no Rio de Janeiro e atuou também no Serviço Nacional de Informações.

O documento de Perdigão segue a mesma estrutura de apresentação de dados da estatística do Doi-Codi do II Exército, pois indica o total de presos pelo Doi, depois divide esse dado geral em subitens: encaminhamentos ao DOPS, a outros órgãos, liberados, mortos e evadidos.  Veja aqui a reprodução do relatório de dezembro de 1973.

Para Fonteles, os documentos apontam para uma “conclusão inequívoca e óbvia”, a de que, no DOI/CODI do II Exército, desde sua criação em 1970, até 18 de maio de 1977, data da última atualização dos dados apresentados por Freddie Perdigão, pelo menos 51 pessoas foram mortas nas dependências ou sob a custódia do Doi-Codi de São Paulo.

Fonteles também atualizou o texto sobre o caso do assassinato do ex-sargento da Aeronáutica João Lucas Alves, na delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte. O texto avança na lista de autoridades que ativamente ou omissivamente participaram de sua morte.Veja aqui.

Fonte- Comissão Nacional da Verdade

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