O primeiro prefeito de Balneário Camboriú, Higino João Pio, encontrado morto quando estava preso na Escola de
Aprendizes Marinheiros, em Florianópolis, em 3 de março de 1969, foi assassinado. Esta é a conclusão de laudo produzido pelo Núcleo Pericial da Comissão Nacional da Verdade, apresentado hoje à tarde na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, durante audiência da Comissão Estadual da Verdade.
A CNV produziu o novo laudo a partir da análise do inquérito do caso, dos laudos pericial, necroscópico e de local produzidos na época do crime e das fotografias da cena do crime.
Além da análise de documentos da época, a CNV realizou uma diligência na unidade militar onde morreu Pio, em 30 de janeiro deste ano. Na oportunidade, os peritos da CNV puderam fotografar e fazer um levantamento do local da morte, providência que ajudou no trabalho apresentado hoje em Florianópolis.
A CNV concluiu que, pela posição do corpo no local e pela rigidez que o cadáver apresentava, o corpo foi posto de pé no local e amarrado com um arame ao registro do banheiro do antigo camarote do capelão, onde o prefeito estava preso. O registro fica a 1m90 do chão e o corpo do prefeito foi colocado voltado para a parede, situações que, por si só, praticamente descartam a hipótese de suicídio, apontada na época como a causa da morte.
Para a CNV, não houve enforcamento e por consequência não houve suicídio. A causa provável da morte é homicídio por estrangulamento, provavelmente ocorrido muitas horas antes de a cena ter sido “montada”. “A morte do prefeito ocorreu pelo menos 8 horas antes da perícia, que foi realizada ao meio-dia do dia 3, pois o laudo necroscópico aponta que o corpo já estava em rigidez cadavérica”, afirmou o perito Pedro Cunha, da CNV.
Outro dado que ajuda a CNV a concluir por homicídio em vez de suicídio é a marca deixada pelo arame no pescoço da vítima, que foi apenas superficial e uniforme, enquanto que em caso de suicídio as marcas seriam profundas e mais fortes do lado do pescoço que fosse mais pressionado pela corda, geralmente com fratura do osso hióide ou da cartilagem da tireoide.
Veja a apresentação do caso Higino Pio feita pelos peritos da CNV em Florianópolis. O laudo é assinado pelo coordenador do núcleo pericial da CNV, Pedro Cunha, e os peritos da comissão Mauro Yared, Saul Martins e Roberto Niella.
FAMÍLIA – Segundo Júlio César Pio, filho de Higino, apesar de a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) ter afirmado que a morte de seu pai não foi um suicídio, o laudo da CNV é o primeiro laudo técnico-pericial produzido sobre o caso depois dos laudos do processo, realizados em 1969 e que afirmam suicídio. “Mas sempre achamos que foi perseguição política”, afirmou.
A audiência foi prestigiada por deputados estaduais e pelo prefeito de Balneário Camboriú, Edson Piriquito. Para o atual prefeito, o laudo da CNV demonstrou “clara a grande mentira, a grande farsa e o uso desmedido da violência que matou o primeiro prefeito de nossa cidade”.
O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Maurício Pessutto, afirmou que o MPF em Santa Catarina possui um inquérito civil público sobre o caso. Ele requereu cópia do laudo à CNV para instruir o ICP. “É um valor nacional, que dentro da CNV, exista uma equipe que permita o acesso à prova tão relevante”, afirmou.
HISTÓRICO – Higino Pio é o único preso político catarinense morto em uma dependência pública naquele Estado. Outros catarinenses atingidos pela repressão política morreram ou desapareceram em outros Estados do Brasil ou no exterior.
Higino Pio foi o primeiro prefeito de Balneário Camboriú, eleito em 1965, pelo PSD, logo após a criação do município, que havia sido desmembrado de Camboriú. Em fevereiro de 1969, na quarta-feira de cinzas, ele e alguns funcionários da prefeitura foram presos por agentes da Polícia Federal e levados para a Escola de Aprendizes Marinheiros de Florianópolis. Após prestarem depoimento, todos foram soltos, exceto Higino Pio, que permaneceu incomunicável. No dia 3 de março, a família foi notificada de sua morte. A versão das autoridades foi suicídio.
Em novembro passado, a Comissão Estadual da Verdade realizou audiência pública em Itajaí sobre os efeitos da ditadura na região e colheu depoimentos sobre o caso do prefeito de Balneário Camboriú. Uma perícia do caso Higino Pio era uma reivindicação do Coletivo Catarinense de Memória, Verdade e Justiça desde a promulgação da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade, em 2011.
Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação
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