CNV ouve em SP depoimento de familiares de Zequinha e Otoniel Barreto

CNV ouve em SP depoimento de familiares de Zequinha e Otoniel Barreto
 Da esquerda para direita: os irmãos Olderico Barreto e Olival Barreto.


Da esquerda para direita: os irmãos Olderico Barreto e Olival Barreto.

 

Objetivo é preparar diligência para a exumação dos irmãos

A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” ouviram, no último dia 15 de julho, na Assembléia Legislativa de São Paulo, os irmãos Olderico Barreto e Olival Barreto e a filha de Olderico, a jornalista Thaís Barreto. Eles são familiares de José Campos Barreto, o Zequinha Barreto, e Otoniel Barreto, assassinados em 1971.

Zequinha foi uma liderança operária durante a Ditadura Militar, tendo sido preso e torturado no Deops de São Paulo por estar à frente da greve da Cobrasma, em Osasco, no ano de 1968. Após a edição do AI-5, quando Zequinha entrou para a clandestinidade, ele aproximou-se de Carlos Lamarca, capitão do Exército que se recusou a servir à Ditadura e, ao aderir à luta armada, tornou-se um dos líderes oposicionistas mais procurados.

A família Barreto abrigou os foragidos Zequinha e Lamarca durante dois meses, entre junho e agosto de 1971. Em 28 de agosto daquele mesmo ano, militares e policiais à paisana cercaram a pequena casa no povoado de Buriti Cristalino (Bahia), fazendo todos reféns. A ação fez parte da chamada Operação Pajussara, liderada pelo então major Nilton Cerqueira e pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, que tinha como objetivo capturar e assassinar Carlos Lamarca.

Zequinha e Lamarca estavam em um acampamento, a cerca de 1,5 km da casa da família Barreto. Na ação dos agentes da repressão, Otoniel Barreto, bem como Luiz Antônio Santa Bárbara, foram executados e seus corpos foram expostos à população e sepultados no povoado. Horas depois, foram desenterrados e levados em um helicóptero para Salvador. Em Salvador, também foi enterrado Zequinha Barreto, a revelia da família. O pai de Zequinha e Otoniel, José de Araújo Barreto, foi levado até Salvador para reconhecer os corpos, que foram enterrados no cemitério do Campo Santo. Até hoje, apesar de inúmeros pedidos, a família não obteve a exata localização dos restos mortais de seus entes.

DEPOIMENTO – Os irmãos Olderico e Olival Barreto, que prestaram depoimento à Comissão, tinham então 22 e 11 anos, respectivamente, e presenciaram toda a operação. No momento do tiroteio, Olival conta que se escondeu debaixo da cama, o que lhe permitiu ver apenas a parte inferior do corpo de Luiz Antônio Santa Bárbara, que estava junto dele, no quarto. Quando os militares entraram atirando, Santa Bárbara tombou do seu lado, sujando-o de sangue. Olderico foi torturado no meio da rua, levou tiros e carrega até hoje as cicatrizes no seu corpo. O pai deles, José de Araújo Barreto, então com 64 anos, também foi preso e torturado.

“Então eles ficaram com meu pai, fazendo buscas, tentando descobrir onde estava o Lamarca. Eles ficaram ali do sábado até a sexta-feira seguinte. Eu fiquei na casa de uns tios, o único lugar que deu algum apoio, porque todas as pessoas do lugar sentiram muito medo. Eu mesmo cheguei a ir a casas de pessoas que bateram a porta na minha cara. Aí eu fiquei imaginando que se eu recebi uma porta na cara, imaginei quantas portas na cara o Zequinha e o Lamarca não receberam naquele período que eles ficaram naquela serra, procurando uma comida, alguma coisa”, lembrou Olival, que na época tinha 11 anos.

Poucos dias depois, em 17 de setembro, exaustos e doentes, Lamarca e Zequinha foram encontrados e executados no povoado de Pintada, município de Ipupiara, no sertão da Bahia.

MEMÓRIA – Em Pintada, foi construído recentemente um memorial no local onde foram assassinados Zequinha Barreto e Carlos Lamarca. Há 14 anos, por iniciativa do Bispo Dom Luiz Cappio, ocorre no dia 17 de setembro uma homenagem, a Celebração dos Mártires. Desde 2009, esta data é feriado em Brotas de Macaúbas.

Durante a sessão, foi entregue documento, assinado pelos familiares de Zequinha e Otoniel Barreto, pedindo apoio da Comissão Nacional da Verdade para a localização dos túmulos no cemitério do Campo Santo, em Salvador, onde os irmãos teriam sido enterrados, para que a família possa fazer o translado dos restos mortais para o “Memorial dos Mártires”. O documento está disponível aqui. Caso as famílias de Lamarca e Santa Bárbara concordem, é desejo da família Barreto que seus restos também sejam levados para lá.

Estavam presentes na audiência Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, e André Vilaron, assessor da CNV. A Comissão da Verdade reiterou que dará todo apoio à família Barreto na sua solicitação.

 

Fonte:

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Thiago Vilela
(61) 3313-7324 | comunicacao@cnv.presidencia.gov.br

 

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Homenagem em memória e saudade a Antonio Cunha Losada: nota da Rede Brasil Memória-Verdade-Justiça

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“Antonio Losada é exemplo luminoso a todos quantos não se conformam com a injustiça e a desigualdade, com a exploração e a injustiça.”
25 de abril 1934 – 10 de abril de 2014

A Rede Brasil Memória-Verdade-Justiça* cumpre o dever de registrar o falecimento de Antonio Cunha Losada, ativista de nosso afiliado Comitê  Carlos de Ré da Verdade e Justiça do Rio Grande do Sul.

 

Natural de Bagé, migrante proletário, alfaiate, dirigente sindical, militante socialista no PCB, preso e torturado varias vezes, sendo a última por seis anos até 1979 junto a seu irmão José Losada e a esposa Sonia Venancio Cruz, fundador e dirigente da VAR-Palmares, lider comunitário, vereador, cidadão emérito de Porto Alegre, Antonio Losada foi um dos criadores  do Comitê Carlos de Ré. Numa trajetória ímpar, superou a origem humilde, o terror do Estado Brasileiro, as carências econômicas, as perseguições profissionais e sindicais, para culminar no ano de 2013 com a recepção do Premio Estadual dos Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, categoria cidadão.

Na adversidade, criou uma família íntegra e guerreira, com duas meninas criadas nas filas de presidio:  Gorete (filha de Sonia Venancio Cruz) ,  e Marcia (filha de Eveline Losada, nascida com o pai no cárcere).

Às vésperas de completar 80 anos, Antonio foi velado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, com a presença de bases comunitárias, lideres políticos, ex-governador Olívio Dutra e senadores , incluída uma corbeie da antiga companheira de lutas secretas, a Presidenta Dilma Roussef. Suas cerimonias de despedida  foram emocionantes  no aspecto pessoal, familiar e da militância, com  canções, orações , gritos de  ‘presente’ ao cidadão Antonio e ao ‘companheiro Joaquim’, tendo junto a seu corpo a camiseta amarela do Comitê.

 

Sessão Solene da Camara de Vereadores de Porto Alegre, outorga da Cidadania Emérita a Antonio Losada, 2013

Sessão Solene da Camara de Vereadores de Porto Alegre, outorga da Cidadania Emérita a Antonio Losada, 2013

 

Na adversidade, criou uma família íntegra e guerreira, com duas meninas criadas nas filas de presidio:  Gorete (filha de Sonia Venancio Cruz, falecida) ,  e Marcia (nascida com o pai no cárcere, filha de sua viúva Eveline).

O Comitê Carlos de Ré falou em nome  da Rede Brasil MVJ, lendo as mensagens de condolências enviadas pelos nossos ativistas e Comitês Civis  de todo o Brasil. Pontuou assim a memória e o legado de um trabalhador que dedicou toda sua vida à luta por um país melhor e que exatamente  por isso foi punido com o maior dos crimes.

 

Em memória de todos os que padeceram e resistiram à tirania, a Rede Brasil MVJ diz:

Antonio Losada, presente ! “

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* O Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça é membro integrante da Rede Brasil Memória-Verdade-Justiça.


À Coordenação da Rede Brasil MVJ.

        O Comitê Carlos de Ré da Verdade e Justiça do RS agradece a referencia a Antonio Losada,  um de seus ativistas fundadores, ressaltando  nosso dever de reverenciar todos e cada um dos lutadores pela democracia, como ocorre agora nas datas redondas dos 50 anos do sacrifício de Alfeu Alcantara Monteiro, nos 45 de Carlos Marighella, nos 45 de Chael Schreier, nos 40 de Frei Tito, nos 45 de João Lucas Alves, nos 35 da descoberta da verdade sobre Ico Lisboa, e de tantos outros cidadãos e companheiros.

 

        O terrorismo de estado vitimou não só o ativista e o dirigente proscrito, mas também vitimou as familias de cada um deles e de seus amigos e colegas, intimidou todos os círculos de amizade, trabalho, escola e lazer dos perseguidos, no afã de dizer à sociedade brasileira que o ato de resistir ao  arbítrio seria punido com toda a violencia, espalhando assim o medo e a paralisia sociais.

 

        Para que não se esqueça, para que não mais aconteça: “Losada – presente !”.

        Atte,

        pp Comitê Carlos de Ré,

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Monumento para mortos e desaparecidos da ditadura será construído no parque Ibirapuera

herzognaredacaoNo entanto, como o parque é tombado pelo patrimônio histórico, o projeto aguardou parecer dos conselhos que deliberam sobre modificações no local.

Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da capital, o último conselho necessário para início das obras aprovou a construção em 30/6.

A homenagem ficará entre o Obelisco –mausoléu dos mortos da Revolução Constitucionalista de 32– e o Monumento às Bandeiras.

Fonte- Folha de S. Paulo

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Grupo de Trabalho Operação Condor/CEV-PR avança nas investigações em Buenos Aires.

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A coordenadora do Grupo de Trabalho Operação Condor da Comissão Estadual da Verdade do Paraná, Ivete Caribé da Rocha, esteve em Buenos Aires entre os dias 09 e 11 de junho último para aprofundar as investigações: “desde o início vimos trabalhando as interfaces da Operação Condor entre o Brasil (através da tríplice fronteira em Foz do Iguaçu) e aos demais regimes ditatoriais do Cone Sul que cooperavam na busca, prisão, tortura e extermínio de opositores aos respectivos governos militares. Esta viagem foi muito importante tanto no sentido de aprofundar a rede de cooperação para a investigação como para localizar e agregar novos documentos, provas e informações para o aprofundamento dos trabalhos do nosso grupo de investigação”, conta Ivete.

 

Importantes contatos

Adolfo Pérez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz 1980).

No dia 09 de julho foi realizada visita, junto com Adolfo Pérez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz 1980) ao Chanceler da Argentina Héctor Timermann, onde também conversaram sobre as tropas da Minustah, no Haiti. Nessa ocasião fizeram contato com o Diplomata Federico V. Beltran, Diretor Geral de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores. No mesmo encontro foi agendada para o dia seguinte uma conversa com a Dra. Maria Teresa Piñero, responsável pelo Departamento de Recuperação da Memória Histórica do Ministério das Relações Exteriores da Argentina.

 


 

Adolfo Perez Ezquivel e Ivete Caribé da Rocha em encontro em Buenos Aires. Na pauta: Operação Condor.

Adolfo Perez Ezquivel e Ivete Caribé da Rocha em encontro em Buenos Aires. Na pauta: Operação Condor.

Em 1974 na cidade de Medellin, na Colômbia, Adolfo Pérez Esquivel coordenou a fundação do Servicio Paz y Justicia en América Latina (SERPAJ-AL), junto com vários bispos, teólogos, militantes, líderes comunitários e sindicalistas.

O SERPAJ-AL se dedicou a defender os Direitos Humanos no continente e a difundir a Não-Violência Ativa como instrumento de transformação da realidade e de enfrentamento dos crimes de tortura e desaparecimento forçado de militantes políticos e agentes comunitários e pastorais, praticados pelas Ditaduras Militares que haviam se instalado por toda a América Latina, com o apoio dos Estados Unidos que viviam então o auge da Guerra Fria com a União Soviética.

Por essa atividade Adolfo Pérez Esquivel recebeu o Nobel da Paz de 1980. Escultor, estudou arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes da Universidade Nacional de La Plata. A partir de 1968, dedicou sua vida a propagar a não violência e defender os direitos humanos: fundou o Jornal Paz e Justiça em 1973, e a partir de 1974 se tornou seu secretário. A publicação se tornou a voz do movimento pacifista na América Latina.

Entre 1977 e 1979, foi preso por questões políticas. Durante esta reclusão recebeu o Prêmio Memorial de Paz Juan XXIII, entregue pela Organização Pax Christi Internacional.

 


 

Ainda na da tarde do mesmo dia, uma conversa com a Jornalista Stella Calloni, apresentada por Adolfo Pérez Esquivel levou a importantes caminhos.

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Encontro Ivete Caribe e a Jornalista Stella Calloni

Stella Calloni é jornalista, escritora e pesquisadora da Operação Condor e outras Operações que se formaram no período das ditaduras latino-americanas. Realizou cobertura dos conflitos da Nicarágua e de El Salvador e em outros momentos históricos dos vários países. Entre seus livros, destaca-se, “OS ANOS DOS LOBOS”. Possui farto material sobre os casos das vítimas da Operação Condor. Pesquisou e estudou a forma como se implantaram as ditaduras no Continente Latino Americano, os “acordos de cooperação” ajustados entre os vários países, tendo vivido em muitos deles como jornalista.

 

Na manhã do dia 10, Ivete acompanhou Adolfo P. Esquivel a uma entrevista com 20 jornalistas alemães e belgas, junto com o Cacique Felix Diáz, da etnia Quom (Corrientes) Os jornalistas queriam saber sobre a questão indígena na Argentina e sobre a Igreja Argentina, especialmente, onde o Papa Francisco atuou.

Papa

Papa Francisco cumprimenta o líder indígena Felix Diaz e a esposa durante uma audiência privada no Vaticano, junto com Adolfo Perez Esquivel.

Na tarde do dia 10, encontro com Maria Teresa Piñero, no Ministério das Relações Exteriores da Argentina. Maria Teresa, foi exilada política em Genebra, na Suíça, onde trabalhou no Conselho Mundial das Igrejas. Lá teve oportunidade de conhecer toda a documentação enviada pelo Serviço de Justiça e Paz do Brasil e no seu retorno à Argentina, passou a trabalhar na construção da Memória Histórica do País.

302 Mª Teresa Piñero

No Ministério das Relações Exteriores, Maria Teresa Piñero é responsável pelos documentos do período da ditadura Argentina e da Operação Condor, bem como do relacionamento com as Comissões e Comitês Internacionais que tratam das graves violações ocorridas nas ditaduras do Continente Latino Americano. “Maria Tereza se dispôs- a nos fornecer tudo o que tiver sobre os casos solicitados pela CEV-PR. Há uma clara disposição do Ministério das Relações Exteriores da Argentina em fornecer todos os documentos relativos às violações a brasileiros que viveram naquele País e sobre os estrangeiros que foram retirados/seqüestrados do Brasil pelos órgãos de repressão argentinos nas respectivas ditaduras, inclusive os casos de violações autorizadas pelos generais e chefes de Estado. Foi muito importante esse contato”, conta Ivete.

A convite da CEV-PR, Maria Teresa poderá vir a Curitiba, representando o Ministério das Relações Exteriores da Argentina, para contribuir ainda mais com as investigações do Grupo de Trabalho.

Na manhã do dia 11, com companheiros do SERVIÇO DE PAZ E JUSTIÇA – SERPAJ, em sua sede latino americana no centro de Buenos Aires, Ivete conheceu os trabalhos que lá são desenvolvidos a nível Continental, como a Campanha pela Auditoria das Dívidas Externas dos Países latino americanos (no caso do Brasil, com fortes implicações no período da Ditadura Militar), desenvolvido por BEVERLY, com atuação importante no Brasil, através do JUBILEU SUR, as Campanhas pela preservação da Memória na Argentina, com a atuação de Adolfo Pérez Esquivel na Comissão Permanente contra Graves Violações na Província de Buenos Aires. Além disso, conheceu também o trabalho junto a crianças e jovens em situação de risco, no Projeto ALDEIAS DA PAZ, nos arredores de Buenos Aires.

Ainda neste mesmo dia 11, Ivete pode assistir a um Julgamento de Crime da Ditadura (ESMA) no Palácio Judicial da Nação Argentina. Esses julgamentos, têm uma pauta diária, que começa sempre pela manhã e termina por volta das 18 ou 19 horas, com ouvidas de vítimas ou familiares de mortos/desaparecidos, testemunhas e acusados. São instruído os processos para julgamento dos militares, ao mesmo tempo em que se analisam as indenizações devidas. Neste dia o militar julgado foi Ricardo Miguel Cavallo “SÉRPICO”, famoso pelo número de casos em que esteve envolvido e pela truculência de suas ações. Ele já é condenado a prisão perpétua e está preso em Buenos Aires. Foi preso no México onde vivia e tinha uma empresa que prestava serviços ao governo mexicano, com nome e documentos falsos e só foi preso por esse crime em 2009, pois o Juiz Baltasar Garzón Real já o havia localizado e pedira sua prisão por crimes cometidos contra cidadãos espanhóis, mas o governo mexicano se negava a deportá-lo.

 


 

Juiz espanhol Baltasar Garzón

Juiz espanhol Baltasar Garzón

Garzón é conhecido na Espanha como “super-juiz” ou “juiz-estrela”. Atuante Magistrado-Juiz Central de instrução do tribunal penal de máxima instância na Espanha, a Audiência Nacional, ficou conhecido mundialmente ao emitir uma ordem de prisão em contra o ex-presidente do Chile Augusto Pinochet pela morte e tortura de cidadãos espanhóis. Utilizou como base o relatório da Comissão Chilena da Verdade (1990-1991). Reiteradas vezes manifestou seu desejo de investigar o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger por sua relação com a denominada Operação Condor. Trabalha também em um processo em que se acusa de genocídio diversos militares argentinos pelo desaparecimento de cidadãos espanhóis durante a ditadura argentina (1976-1983.


FOC23.tif A antiga Escola Superior de Mecânica da Armada – ESMA, da Marinha da Argentina, situada na esquina da Avenida do Libertador com a Avenida Santiago Calzadilla, na cidade de Buenos Aires, foi o mais emblemático centro clandestino de detenção durante a ditadura militar (1976-1983).

Tornou-se o maior e mais ativo dos Centros clandestinos de detenção e tortura utilizados pela repressão argentina, por onde passaram mais de 5000 presos, posteriormente, desaparecidos.

Fechado após o retorno da democracia, em 2004 foi convertido pela Lei nº 1.412, de 5 de agosto desse ano, em centro de memória para recordar a repressão, o terrorismo de estado e promover o respeito aos Direitos Humanos.

No Centro Clandestino de Detenção-CCD funcionavam dois grupos-tarefa, o 333, a serviço do SIN (Serviço de Inteligência Naval) e o 332, da Marinha, encarregado da zona norte da Grande Buenos Aires e da Capital Federal, este dirigido pelo contra-almirante Rubén Jacinto  Chamorro, auxiliado pelo capitão Jorge Eduardo Acosta  (el Tigre).

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Os opositores do regime presos clandestinamente na ESMA, após serem Interrogados e torturados, mais de 90% deles foram assassinados, na maior parte sedados e jogados no Rio da Prata, outros fuzilados ou mortos sob tortura, incinerados e enterrados próximo ao campo de desportos do prédio.

Atuaram nesse local 120 assassinos e torturadores, entre os quais Alfredo 

Astiz, Ricardo Miguel Cavallo e Adolfo Scilingo, que dependiam indiretamente do comandante da Marinha, almirante Emilio Eduardo Massera.


 

“Foi uma experiência riquíssima e serviu muito para mostrar como devemos trabalhar de modo cooperativo e com muita persistência, além da valorização da memória e de todas as informações que se puder colher, de forma eficiente e ágil”, sentencia Ivete Caribé da Rocha.

Para o final do mês de agosto próximo, O Grupo de Trabalho coordenado por Ivete pretende realizar em Curitiba um importante encontro com Esquivel, Maria Teresa Piñero, Stella Calloni e outros importantes estudiosos sobre a Operação Condor para consolidar as investigações que instrumentalizarão o relatório final do grupo para a Comissão Estadual e Nacional da Verdade.

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Um exemplo para o Brasil: familiares das vítimas da ditadura da Argentina falam da equipe de antropologia forense que completa 30 anos.

Foto da tarefa da EAAF, em fossa comum no ex arsenal Azcuénaga, em Tucuman.

Foto da tarefa da EAAF, em fossa comum no ex arsenal Azcuénaga, em Tucuman.

 

Olham teu silêncio, olham teu sorriso

 

 Enquanto no Brasil as dificuldades em se avançar no resgate da Verdade, da Memória e da Justiça acerca das graves violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar seguem com muitas dificuldades, obstáculos e resistências de setores conservadores, a Argentina dá um exemplo de respeito, dignidade e humanidade. Reproduzimos abaixo (traduzido do original) matéria publicada no site ‘Página12“, no dia 30 de junho de 2014 último e que revela um pouco do que esperamos se torne realidade no Brasil.

Resgatar a verdade do passado, registrar essa memória para conhecimento das gerações futuras e fazer justiça dependem de muitas coisas, mas para dar os primeiros passos  é preciso ter entendimento, vontade e compromisso.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

Boa leitura e reflexão!

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O trabalho dos membros da equipe argentina de antropologia forense é destacado, tanto por seu rigor científico como pela sua qualidade humana pelos filhos e familiares de desaparecidos que, graças à EAAF, puderam saber o que aconteceu com seus entes queridos.

 

É um olhar que te ouve, estão atentos à tua reação para responder”. A definição da escritora Paula Bombara, que em 2012 se reencontrou com os restos de seu pai sequestrado em 1975, sintetiza um sentimento comum sobre os membros da Equipe de Antropologia Forense dos familiares das vítimas do terrorismo de Estado que, graças à EAAF, puderam encerrar o luto iniciado durante a ditadura.

 

A tarefa da Equipe é importantíssima para os familiares. Além de seu profissionalismo, possuem uma qualidade humana incrível. Estarei agradecido a eles pelo resto da vida”, declara Horácio Pietragalla, que muito antes de ser deputado foi “o primeiro filho a recuperar os retos do pai e da mãe”. O jornalista Emiliano Guido que graças à EAAF pode enterrar sua mãe, coincide com que “é um grupo humano excelente, além de ser muito profissional” e lembra em especial o trabalho de pesquisa com quem se encontrou pela primeira vez que se aproximou da Equipe, que por esses dias celebra seus trinta anos de trajetória.

 

Meu primeiro contato com a Equipe foi no mês em que recuperei minha identidade em 2003. Estavam trabalhando em uma fossa comum do cemitério se San Vicente, Córdoba, e tinham a certeza de que meu pai estava aí. Estavam exumando e tinham muitos indícios, restos de um homem de quase dois metros, para o qual me pedem uma mostra de sangue”, lembra Pietragalla. “Embora fazia pouco tempo em que havia recuperado a identidade, logo depois comecei a trabalhar com as Avós, de tal maneira que o assunto era conhecido, por isso a confirmação chegou por telefone”, acrescenta. “Ir a Córdoba, buscar os restos e enterrá-los em um cemitério junto com os de meu irmão Paulinho, que não cheguei a conhecer, foi muito forte”.

 

O segundo capítulo foi um ano depois quando recuperou os restos de sua mãe. “Depois que a assassinam, meu avô fez muitas buscas, soube que me tinham tirado dessa casa e que a tinham enterrado no cemitério de Boulogne. Fez a denúncia e em 1984 realizaram-se exumações, mas não existia muita experiência no âmbito da antropologia: foram enviados os crânios para La Plata, foram misturados com outros e se extraviaram. Com as leis de impunidade, as pesquisas se interromperam. Porém, parte dos restos ficaram em um depósito, em 2004 a EAAF conseguiu recuperá-los. Com a informação que constava na causa e minha amostra de sangue, confirmou-se a identidade e pude recuperar os restos. Tive muita sorte, era o primeiro filho que recuperava os restos do pai e da mãe. Hoje existem vários casos” afirma com Júbilo.

 

A tarefa da Equipe é importantíssima para os familiares. Além de seu profissionalismo possuem uma qualidade humana incrível. Serei grato pelo resto da vida”, afirma Pietragalla. Para registrar esta qualidade, conta que “quando me avisaram da identificação de minha mãe, eu tinha me separado recentemente, vivia em um hotel, e foi tanta a alegria que subi no furgão, entrei no Edifício Libertador e subi em um tanque militar e gritei ‘filhos da puta’. Tinha necessidade de desabafar. Contei para eles e foram visitar-me várias vezes, com uma certa culpa de se tinha agido bem ou não. Continuaram preocupados comigo. Eu gosto muito deles pois têm a ver com os familiares e querem saber o que acontece depois de darem a notícia. Respeita o que cada um quer fazer e além de tudo, não se esquecem e são muito calorosos.

 

 

Antecedentes da Pesquisa

 Raul Guido e Silvia Giménez foram sequestrados em junho de 1976, quando seu filho tinha 15 meses. “Meu primeiro contato com a EAAF foi a partir do documentário Tierra de Avellaneda, que me alertou sobre esse caminho, uma vez que não tinha noção de que se poderia conseguir a recuperação dos ossos” relata Emiliano Guido, que então militava em Hijos La Plata. Lembra do tratamento em sua primeira visita à Equipe e sobretudo o impacto ao perceber o trabalho prévio. “Fizeram uma busca em uma base de dados para tentar reconstituir o que tinha acontecido com meus pais depois dos sequestros. Foi aí que me convenci de que tinham uma boa pesquisa. A partir de alguns poucos dados, deram-se conta de que o caso se situava em um sequestro mais amplo: nesse dia, em Mar del Plata, caíram nove companheiros do PRT e tudo indicava que terminaram no Pozo de Banfield e que, da mesma maneira que muitos sumidouros da zona sul, podiam ter sido enterrados como NN (desconhecidos) no cemitério de Avellaneda”, conta Emiliano, jornalista do jornal Miradas al Sur.

 

Durante anos, depois de deixar sua amostra de sangue, foi contatado para checar dados sobre os militantes caídos com seus pais. Em 2006, ocorre o chamado: a identificação dos restos de Silva, exumados de uma fossa comum em Avellaneda. Depois chegaria a decisão da homenagem à militante que foi sua mãe no cemitério de La Plata, do qual participaram membros da EAAF. “Foi sempre um grupo humano excelente, muito profissional” destaca.

 

“Responder a partir do saber”

 Daniel Bombara foi sequestrado em Bahia Blanca no final de 1975. Sua filha estava convencida de que nunca o encontraria, mas em uma manhã de 2008, informada da campanha para que todos os familiares de desaparecidos fizessem uma amostra de sangue, foi ao Hospital Tornú e deixou sua amostra.

 

“Um frasco no mar”, lembra Paula, que além de escritora de literatura infantil é bioquímica e tinha lido sobre o trabalho da EAAF, quando estudava genética. Três anos depois recebeu “o chamado”: “Falo desde EAAF, queremos ver-te”.  “Respondi Ok, não perguntei nada. Sabia que se a amostra estivesse errada me teriam dito. Foi quase uma certeza que o tivessem encontrado e entendia que não me diriam por telefone”, relembra.

 

Por aquele dias estava escrevendo para o livro ‘Quem sou?’, sobre netos recuperados e reencontros, e fui convocada para declarar como testemunha no primeiro processo por crimes de lesa humanidade em Bahia Blanca.

 

“Decidi não contar a ninguém; precisava de tempo, de tal maneira que fui para a EAAF sozinha. Encontrei-me com pessoas super amáveis, surpresas por eu não ter feito perguntas. Nessa conversa, em 16 de junho de 2011, fiz uma porção de perguntas. Primeiramente técnicas: interessava-me saber da análise e como procediam. Depois, detalhes da pesquisa, como o encontraram e como chegaram lá. Perguntas que tinha comigo por muitos anos afloraram e finalmente encontrava interlocutores que podiam responder-me desde seu saber, a partir de pesquisas. Estava vivendo um impossível, era uma sensação de alegria e estava feliz”, lembra.

 

Despois de seis meses, concluídos os procedimentos judiciais, voltou para a Equipe “para buscar a caixa com os restos de meu pai” a quem, junto com sua mãe, decidiram cremar e enterrar as cinzas na Igreja de Santa Cruz. A relação com a EAAF continuou: em março passado a convocaram, juntamente com outros familiares, para participar da pintura de um mural na ex-ESMA, onde funcionará o Banco de Sangue de Familiares.

 

“Aprecio o que fazem desde uma porção de lugares”, confessa. “O trabalho científico é muito interessante. São trabalhos interdisciplinares que são muito ricos para o aprendizado das ciências. Muito além da especificidade de misturar o social com o científico se articulam com populações e narrativas; existe uma questão sociológica e antropológica de resgate de culturas”, destaca Paula. “Desde o vínculo como familiar resgato o calor humano e a sabedoria em escutar; é um olhar que te ouve. Olham teu silencio, olham teu sorriso, estão atentos à tua reação para responder. É muito difícil comunicar isto, não se sabe o que vai acontecer com a pessoa que está recebendo algo tão almejado. Porém, possuem uma disposição amorosa que é muito louvável”.

 

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TRF entende que crime no Riocentro está prescrito e tranca ação penal

A Justiça Federal determinou o trancamento da ação de julgamento dos militares envolvidos no caso Riocentro, atentado à bomba frustrado, ocorrido em maio de 1981. A decisão foi tomada hoje (2), por maioria, pela 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federiocentroral da 2ª Região (TRF2).

A defesa dos acusados, na ação impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF), pedia a concessão de habeas corpus e o trancamento da ação, sob alegação de que o julgamento era competência da Justiça Militar, e não da Justiça Federal, e de prescrição do crime.

Votaram a favor da concessão do habeas corpus os desembargadores Abel Gomes e Ivan Athié. Paulo Espírito Santo votou contra.

O representante do MPF, procurador Rogério Nascimento, disse que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF). “Certamente [vamos recorrer]. O Ministério Público está convencido de que os crimes não prescreveram. A ordem [habeas corpus] foi concedida com base no argumento de que os crimes não são contra a humanidade. A maior evidência de que esses crimes contaram com a conivência do Estado é que foram necessários mais de 30 anos para esclarecê-los.”  De acordo com Nascimento, os crimes contaram com a conivência do Estado, são crimes contra a humanidade, e o Ministério Público continua convencido de eles não estão prescritos.

Foram denunciados pelo MPF os militares reformados Wilson Luiz Chaves Machado, Claudio Antonio Guerra, Nilton Cerqueira, Newton Cruz, Edson Sá Rocha e Divany Carvalho Barros.

O advogado Rodrigo Roca, que representou os réus, comemorou o resultado do julgamento. “A decisão do tribunal, apesar de ter sido tomada por maioria, foi um resgate do Estado de Direito e um lembrete ao Ministério Público de que o país tem três poderes. Foi muito importante, como precedente, para as ações que ainda virão e para os habeas corpus que, consequentemente, vão repudiá-las. A ação foi bloqueada. Tem que ser arquivada, até que uma decisão de um órgão de jurisdição superior diga o contrário.”

Roca, que também defende os militares denunciados pelo MPF no caso Rubens Paiva (ex-deputado torturado e morto durante o regime militar, mas, dado, durante muito tempo, como desaparecido) disse acreditar que a decisão de hoje do TRF2 seja um precedente. “É uma página virada da história, e o interesse [por ele] agora é meramente histórico. Não há nada mais, do ponto de vista judicial, que se possa fazer.”

O atentado frustrado ao Riocentro, onde se realizava um show comemorativo ao 1º de Maio, deixou um militar morto e outro ferido, quando uma bomba que eles carregavam, dentro de um automóvel Puma, explodiu. O objetivo era causar uma explosão que atingisse o público do show e atribuir a culpa a setores de esquerda. Os acusados pelo atentado pertenciam a um grupo dissidente dentro do regime militar, contrário à abertura política em curso no país. O governo militar já havia decidido redemocratizar o país e devolver o poder aos civis, o que desagradava a facções mais radicais.

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O futebol no tempo da ditadura: entrevista com o historiador Gerson Wasen Fraga

O historiador Gerson Wasen Fraga é professor na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim e se ditadurafutebol2dedica a pesquisar as relações do futebol com a história brasileira. Autor da tese de doutorado “A Derrota do Jeca na imprensa brasileira: nacionalismo, civilização e futebol na Copa do Mundo de 1950″, já publicou uma série de artigos em que analisa o futebol brasileiro no período da ditadura militar (1964-1985), como “Futebol, imprensa e ditadura: das formiguinhas de Geisel à abertura de Telê”, no qual analisa os usos, pela ditadura, do tricampeonato mundial em 1970 e do Mundialito em 1981 no Uruguai. Já deu as caras no Impedimento em 2013, nos brindando com um artigo sobre as mudanças no perfil do torcedor brasileiro.

Nesta entrevista, Gerson Fraga analisa questões que vêm à baila quando o assunto é futebol e ditadura no Brasil: o uso político do tricampeonato pelo regime, a construção de estádios no projeto de integração nacional, a submissão em clubes e federações e os episódios e espaços de resistência, entre outros temas. Foi uma entrevista por e-mail realizada ao longo das duas últimas semanas, o que permitiu  novas perguntas a partir de respostas do entrevistado.

(Daniel Cassol)

Como se deu a relação do futebol com a ditadura militar no Brasil. Que imagem pode sintetizar esta relação?

Antes de mais nada, é necessário estabelecer que o uso político do futebol por ditaduras, regimes militares e governos autoritários não inviabiliza o espaço ou a prática do futebol  como espaço ou atividade de resistência. Se são diversos os casos que podem ser apontados onde regimes de exceção buscam se apropriar dos bons resultados de seleções ou equipes para fins de propaganda (poderíamos falar da Itália em 1934/1938, da Argentina em 1978, ou do Real Madrid durante o Franquismo), também muitas são as ocasiões em que os gramados e arquibancadas serviram para manifestar a oposição e a inconformidade (a “democracia corintiana”, os catalães falando seu idioma nas arquibancadas do Camp Nou, a postura marcadamente anti-imperialista de Diego Maradona, entre outros exemplos). O futebol não é algo isolado da sociedade, logo, também reflete as muitas contradições e interesses que lhe cercam. Neste sentido, a militarização das estruturas do futebol e sua utilização como instrumento de propaganda pelo regime militar em 1970 é algo que deve nos dizer muito sobre o caráter autoritário conferido às estruturas sociais brasileiras, em uma época onde uma postura de oposição poderiam significar a prisão, a tortura e a morte. Se poucos eram os espaços de manifestação opositora no cotidiano, poucos seriam os espaços de manifestação opositora no cenário esportivo. Era evidente que a conquista do título pela seleção brasileira poderia ser utilizada como instrumento de boa propaganda por parte do governo junto à população. Em primeiro lugar, o futebol há tempos já usufruía do status de símbolo nacional, capaz de mobilizar o sentimento de pertença a uma coletividade. Isto não é algo criado pelos militares, mas é algo passível de ser utilizado por qualquer governo. Mas há um outro fator, que é a criação de uma imagem que ligue o selecionado vitorioso ao povo. Neste sentido, promover um discurso que exalte a disciplina de um grupo vitorioso e sua submissão ao comando técnico é uma ação didática no sentido de tentar provar que estes elementos – disciplina e submissão, entendidos enquanto manutenção da ordem vigente – são fatores fundamentais para fazer do Brasil um país vitorioso também fora dos campos esportivos. A relação assim é discursiva, artificial, mas encontra grande repercussão porque é largamente difundida pela grande mídia (que apoia constantemente a ditadura) através da TV, do rádio e dos jornais, e aponta não somente para o uso que o regime faz da conquista, mas para o apoio que encontrava para que estas imagens pudessem chegar de forma didática até o brasileiro comum. Dentro disto, se tivesse que escolher um símbolo, apontaria para a foto do presidente Médici “batendo uma bolinha” com o selecionado brasileiro após a conquista de 1970. Não apenas pela imagem que está na foto, mas também por saber que há um interesse por trás desta imagem, que a capta e posteriormente difunde entre a sociedade brasileira

Concretamente, como se deu esse uso político da seleção brasileira tricampeão em 70 pela ditadura militar?

Inicialmente através da propaganda, criando uma relação entre a imagem do selecionado vitorioso, a imagem do regime e a imagem da própria nação. A seleção teria sido vitoriosa pois estaria imbuída das características positivas que definiriam o “bom brasileiro”: disciplina, trabalho, cooperação, amor à pátria. Não por acaso, há matérias na imprensa nesta época que buscam comparar à resistência armada à ditadura com os adversários brasileiros na Copa (especialmente os tchecos e romenos, então integrantes do mundo socialista). Opera-se assim uma construção discursiva onde aos opositores do regime é negado o pertencimento à nacionalidade, transformando-os assim em rivais a serem batidos na caminhada rumo ao progresso, uma vez que a estes faltariam as características definidoras do “verdadeiro brasileiro”, que fora campeão no México e que agora trabalhava para que a nação conquistasse seu progresso econômico. Logo, ações mais práticas seriam tomadas, dada a capacidade aglutinadora do futebol em torno de um sentimento coletivo. Não podemos dissociar este momento de larga repressão do surgimento do campeonato nacional, organizado sistematicamente a partir de 1971. Da integração em torno do selecionado campeão partíamos agora para um torneio onde todo o país pudesse estar representado, expondo suas diversas identidades regionais que, somadas, formariam o grande caldeirão da brasilidade. O futebol é visto portanto como um instrumento de integração, e esta integração pressupõe a associação a um projeto político e econômico de nação.

 

Em artigo recente na Folha, Tostão diz que se incomoda com os comentários de que a Seleção de 70 foi usada pela ditadura e lembra que ele deu uma entrevista ao Pasquim criticando a ditadura. Existe hoje uma cobrança injusta e exagerada aos jogadores da época por não terem denunciado a ditadura e de certa forma terem jogado o jogo? Não existe injustiça contra o Pelé, por exemplo, como se ele tivesse outra alternativa na época?

Sinceramente não vejo esta “cobrança exagerada”. A reificação da pátria em selecionado não é algo assim tão direto na mentalidade das pessoas. Que os governos recebem as delegações esportivas vencedoras é algo que até hoje pudemos ver. E isto não significa que estes atletas sejam apoiadores destes regimes. Seria como acreditar que o futebol é verdadeiramente o “ópio do povo”. As posições políticas individuais dos jogadores, evidentemente, constituem outro departamento.

O uso político de uma seleção pelo governo não é exclusividade das ditaduras, certo? Neste sentido, há diferenças entre o que houve em 1950, em 1970 e no Mundialito no Uruguai em 1981? E nos títulos mais recentes da Seleção Brasileira (1994 e 2002)?

Certo. O uso do esporte em geral, e do futebol em particular, como instrumento de propaganda é algo que no caso brasileiro remete ao período Vargas, quando este percebe sua capacidade de mobilização popular. Ficaram famosas, neste sentido, as celebrações do Primeiro de Maio no estádio de São Januário ou os discursos presidenciais transmitidos pelo sistema de som no mesmo estádio durante os intervalos das partidas. Vargas, por exemplo, recebe a seleção de 1950 antes do início do certame, apresentando-se assim não somente como mais um torcedor (o que o equipara aos demais brasileiros), mas como o torcedor “número 1″ (o que busca legitimar a imagem de chefe político diante dos demais brasileiros). Especificamente sobre os períodos citados, há uma visível diferença nos contextos históricos, que se refletem também na forma como compreendemos a seleção brasileira e seu papel (afinal, aqueles 11 homens igualmente vestidos e alinhados nada mais são do que um recorte aleatório de nossa sociedade). Assim, em 1950, a vitória deveria simbolizar antes de tudo nossa condição de país moderno diante das demais nações do mundo, mas, também, para nós mesmos. A perspectiva do brasileiro malemolente, incapaz e preguiçoso (da qual o Jeca Tatu talvez seja o grande exemplo), construída ao longo do século XIX, ainda é muito presente. Neste sentido, construir e mostrar estádios modernos, em cidades modernas para além do Rio de Janeiro e de São Paulo era algo importante dentro de um projeto de construção de um Brasil moderno, mas que deveria ser coroado com a conquista do título. A derrota final assim foi entendida por muitos como a prova definitiva de nossa falta de capacidade, operosidade e engenhosidade, de brios e de fibra, em que pese a organização do certame e a construção do maior estádio do mundo em tempo recorde. Outro é o contexto de 1970, sobre o qual já podemos discorrer e ao qual voltaremos. E outro ainda é o contexto do mundialito em 1981, onde, em que pese a permanência do regime civil-militar, vivíamos já em um momento onde seu declínio era amplamente perceptível. Em 1981 o “Milagre Econômico” que comprara o apoio da classe média brasileira em detrimento das condições de vida da maioria da população já havia passado. A crise econômica era generalizada e não havia indícios de uma luz no fim do túnel. Neste sentido, uma vitória naquele momento representaria não o alinhamento nacional a um projeto político e econômico vitorioso, mas um pequeno momento de alegria diante de um cenário futuro que se apresentava sombrio. O que ajuda a explicar em muito a diferença de percepção entre um momento e outro é que em 1981 os militares já haviam perdido o apoio de boa parte da burguesia brasileira, que anseia pelo momento de tomar as rédeas do país e assim implantar seu próprio projeto de nação, que não era exatamente igual ao dos militares. Ao mesmo tempo, estes já haviam perdido seu fôlego também pela série de denúncias envolvendo a tortura, o assassinato, as prisões arbitrárias, a corrupção, a ação da censura e todos os outros desmandos promovidos ao longo daquela década. Já as conquistas de 1994 e 2002 possuem ainda outros sentidos, vinculados aos anos de euforia neoliberal. Se a conquista nos Estados Unidos foi amplamente comemorada, uma vez que toda uma ampla geração de jovens ainda não era viva quando dos êxitos dos comandados de Zagalo, ela também estava inserida em um período onde o futebol brasileiro recebe a marca de um “futebol pragmático”, objetivo e, por isto, feio de ser visto. O termo “Era Dunga”, surgido após a derrota em 1990 e, por vezes, utilizado como referência a este período, diz respeito não somente a um estilo de jogo, mas também a um contexto onde globalização e crise social e econômicas são elementos presentes. O futebol, como fenômeno social que é, não passa incólume a estes processos. Os jogos passam a ostentar um até então inédito caráter de espetáculo televisivo, o que faz com que os jogadores tenham que se sujeitar a jogar no horário do meio dia em pleno verão norte-americano, pois a televisão assim o exige. Nossos representantes em campo não atuam mais por Grêmio, Corinthians, Flamengo ou Atlético Mineiro, mas por Milan, Juventus, Real Madrid ou Barcelona. O mundo que se mostra menor por causa da tecnologia, também nos mostra nossa incapacidade de permanecer com nossos mais importantes valores. O estilo alegre que teoricamente (e apenas teoricamente) seria uma marca nossa, cede lugar a um estilo que atribuímos ao futebol europeu: pragmatismo, força, o resultado acima do espetáculo. Em 2002, estas características permanecem ou são ainda aprofundadas, uma vez que a espetacularização do futebol pela mídia, transformando-o em um espetáculo cada vez mais rentável, é algo que se aprofunda. Note-se que foi uma seleção campeã com uma campanha absolutamente impecável, mas que em momento algum é lembrada pela beleza de seu futebol.

A seleção vitoriosa sob uma organização militarizada reflete uma sociedade que seria vitoriosa sob a mesma estrutura.

Na Copa de 70, ocorreu uma “militarização” da Seleção Brasileira, com militares sendo colocados em postos chave. Qual foram as razões e os significados desta ação?

Como colocado anteriormente, o potencial de propaganda que uma hipotética vitória poderia ter naquele momento era algo que certamente não escapava aos idealizadores do regime civil-militar. A propaganda positiva daí decorrente poderia facilmente ser capitalizada pelo regime, vendendo a ideia de que tudo ia bem e de que, realmente, éramos “o país do futuro” (Se as pessoas comprariam esta versão, ou quantas comprariam esta versão, é outra história). A colocação de militares em postos chave (preparação física, coordenação, chefia de delegação) está diretamente relacionada a esta percepção. A partir do momento em que este projeto se mostra bem sucedido, a reificação do selecionado em espelho da sociedade brasileira torna-se um passo lógico: a seleção vitoriosa sob uma organização militarizada reflete uma sociedade que seria vitoriosa sob a mesma estrutura.

Em um artigo teu, tu falas que ao menos 30 estádios foram construídos no Brasil entre 1972 e 1975. O que representou para a ditadura e para o futebol brasileiro a construção destes estádios?

A construção destes estádios, muitos dos quais localizados na região nordeste do país, está inserida dentro da ideia de transparecer um clima de modernidade, inerente à figura de um projeto político que se queria vitorioso. Aliás, a organização de grandes eventos esportivos e a realização de grandes obras, como a construção de estádios, estão geralmente associadas a este desejo de se mostrar ao mundo revestido de uma condição de moderno. E só é moderno quem é ao mesmo tempo vitorioso, empreendedor, capaz de grandes feitos e grandes obras. Por outro lado, estes estádios também cumprem uma importante função dentro da ideia de integração nacional. São cenários para que, dentro da lógica do campeonato recém-estruturado, estados com até então pouca representatividade no futebol nacional e com estruturas físicas menores pudessem receber, por exemplo, os jogos da seleção nacional e assim celebrarem a “brasilidade” dentro de casa, identificando-se como partícipes desta comunidade. Os estádios são lugares para vermos, para também para nos reconhecermos coletivamente. Assim, ainda que tais estruturas fossem a partir de então utilizadas pela seleção brasileira somente em amistosos esporádicos, muitos dos quais contra seleções obscuras, deveriam cumprir uma função central dentro do projeto de integração nacional, posto que simbolizariam, materialmente, a inclusão da região em um projeto maior. Contudo, não deixa de ser curioso notar que, em muitos destes casos, a integração pretendida através do binômio “representação no campeonato brasileiro – construção de um grande estádio” ficou longe de representar um maior desenvolvimento do futebol regional, que continuou ocupando um papel de mero figurante nas competições organizadas pela CBD e, posteriormente, pela CBF. É notório, neste sentido, o peso que equipes de São Paulo e, principalmente, do Rio de Janeiro, possuem em alguns estados do nordeste. A existência de um grande estádio público não alimentou as torcidas de CRB, Alecrim, Auto Esporte ou Moto Clube. As razões que levam um clube a postular um lugar ao sol “dos grandes” ou a conquistar admiradores, mesmo que em sua região, não passam necessariamente pela construção de uma grande praça esportiva.

 

A construção de estádios para a Copa difere em algo do modelo militar brasileiro da década de 70?

Trata-se de comparar aqui dois períodos muito distintos entre si. Se formos falar exclusivamente dos estádios, teremos na década de 1970 construções destinadas a receber “o povo”, a “massa”. Eram “estádios”, e não “arenas”, conceito diverso e que pressupõe outro tipo de torcedor e outra forma de torcer. A modernidade da época, materializada pela grandiosidade da obra, não é a mesma modernidade de agora, onde, a grandiosidade pressupõe curiosamente um público menor em favor de outros elementos, como beleza estética, conforto, segurança ou proximidade ao campo de jogo. Algumas questões, no entanto, permanecem. O maior exemplo certamente é o do investimento de recursos públicos em uma atividade que, em última instância, é comandada por organizações privadas (FIFA, CBD-CBF). Não se trata somente do fato de que estes recursos, seja agora, seja na década de 1970, poderiam ter uma destinação outra, cobrindo as históricas deficiências que o Estado brasileiro tem no cumprimento de suas obrigações com a população. Este elemento, por si só complexo, está ao lado de outras importantes questões, tais como a falta de transparência nos gastos públicos, as obscuras relações com empreiteiras que triplicam seus orçamentos ao longo das obras, ou mesmo a real capacidade de utilização de tais espaços ao longo do tempo. Cem quadras esportivas escolares utilizadas em um regime de educação integral seguramente possuem uma função social muito maior do que um gigante de concreto que passará a maior parte do ano fechado ou que quase nunca receba mais do que uma pequena ocupação.

Tu concordas que houve, no Brasil, muito mais uma convivência pacífica entre o futebol (clubes, jogadores, federações) e a ditadura, e até mesmo uma submissão do primeiro à segunda, havendo apenas casos isolados de críticas e resistências? Poderia ser diferente? Em países como a Argentina, por exemplo, a situação foi a mesma?

Há que termos cuidado, pois estamos tratando aqui de três instâncias diferentes. Que as federações (e a própria Confederação) tinham boas relações com a ditadura é algo pacífico. Da mesma forma como me parece pacífico que muitas destas instâncias exemplifiquem hoje a permanência do lixo autoritário nas estruturas sociais e políticas da América Latina. A figura de José Maria Marin na presidência da CBF ou os verdadeiros tribunais de exceção que compõe a estrutura da CONMEBOL falam por si. Os clubes, genericamente falando (mas creio que as exeções realmente sejam poucas) tendem a seguir um mesmo padrão de convivência pacífica, uma vez que seus diretores raramente teriam motivos para se apresentarem como oponentes do regime civil-militar. A presidência de um clube de futebol profissional, seja um dos “grandes”, seja um pequeno clube de representatividade local, é o que podemos chamar de “local de poder”. Ele confere visibilidade a quem o ocupa, ele proporciona exposição midiática, a oportunidade da falar para um grande contingente de pessoal sobre um assunto que encontra solo fértil aos ouvidos. Lugares assim não são ocupados pelo povo simples ou por “contestadores”, mas por elementos socialmente preponderantes. E, na década de 1970, estes elementos estavam, no mínimo, entre os beneficiários do milagre brasileiro. Seria difícil, desta forma, imaginar que alguém que estivesse entre os beneficiários do sistema, ainda que dele não tomasse parte organicamente, fosse manifestar inconformidade em um espaço público de ampla visibilidade. Nisto, o caso argentino, genericamente falando, me parece semelhante, muito embora tenhamos que pensar a argentina sob o jugo de um sistema que produziu algo em torno de 30 mil mortos e desaparecidos. O espaço lá, se havia, era ainda menor.

Em uma época em que a ditadura ainda dava as cartas, falar sobre e demonstrar publicamente o exercício da democracia era algo no mínimo pedagógico para o restante da sociedade.

Na tua opinião, qual foi a real importância de jogadores mais politizados à época, como Afonsinho, Reinaldo, Sócrates, na crítica e na denúncia à ditadura? Ou estes casos são citados mais porque eram jogadores menos comuns na época? Por outro lado, houve jogadores que ajudaram a “referendar” a ditadura militar?

Em primeiro lugar, temos que ter em mente que, segundo cartolas e dirigentes políticos do país, futebol e política são assuntos que não devem se misturar. Isto, obviamente, não resiste a um olhar minimamente atento, dada a quantidade de exemplos de dirigentes esportivos que ascendem a cargos eletivos a partir da direção de clubes de futebol. Esta orientação (que integra mesmo um jargão na cultura brasileira, das coisas que não devem ser discutidas) remete-se, por extensão, aos jogadores. A ampla maioria dos jogadores de futebol do Brasil provém das classes socialmente desfavorecidas e, destas, as elites não costumam esperar (até porque a elas não costumam oferecer espaço para) reflexões de cunho político. Esta expressão, historicamente falando, não cabe ao jogador, que é um funcionário do clube, mas sim ao dirigente, que é, em última instância, o patrão. Neste sentido, poucas eram as manifestações públicas permitidas a estes atletas, o que ajuda a explicar o motivo de ser difícil encontrarmos atletas que tenham referendado a ditadura militar na condição de jogadores. Havia aqueles que, quando perguntados pelos jornalistas, abriram seu voto para a ARENA, mas não ia muito além disto, ao menos publicamente. Outra coisa são as atividades que os jogadores desenvolveram após se aposentarem dos campos de futebol. Talvez o grande exemplo aqui seja o do ex-centroavante Didi Pedalada, do Internacional, que após largar os campos foi trabalhar na Polícia Civil gaúcha e acabou sendo peça importante no sequestro do casal de uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz, no final da década de 1970, em uma ação projetada pela Operação Condor.

 

Qual a real importância da Democracia Corintiana para o processo das Diretas? Houve, de fato, uma contribuição?

Creio que sim, mas no sentido do exemplo. Em uma época em que a ditadura ainda dava as cartas, falar sobre e demonstrar publicamente o exercício da democracia era algo no mínimo pedagógico para o restante da sociedade. Era falar de algo que para muitos jovens – pensando no tempo de sobrevivência do regime militar – poderia mesmo parecer utópico.

Que histórias ainda precisam ser contadas e que debates ainda precisam ser feitos sobre futebol e ditadura no Brasil?

Em que pese os estudos relacionando o futebol à história em particular, ou às ciências humanas de uma forma mais geral, estarem ganhando um relativo espaço nos meios acadêmicos, ainda persiste um certo ranço que enxerga este assunto como algo de menor importância, que não merece ser estudado ou que não possui a mesma legitimidade diante de outros assuntos, digamos, “mais acadêmicos”. Apesar disto, diversos trabalhos vem surgindo no Brasil ao longo dos últimos anos, refletindo uma preocupação com um tema que ainda tem bastante por crescer. Dentro destes trabalhos, a ditadura civil-militar instaurada a partir de 1964 tem ganhado um espaço privilegiado, mas isto não significa que o assunto esteja esgotado. Falamos do presidente Médici, do uso que seu governo tenta fazer da conquista de 1970. Mas, e nas pequenas localidades, nos clubes de interior, como estas relações políticas são sentidas por jogadores, por dirigentes, pela imprensa e também pelos torcedores? Não há, que eu saiba, maiores estudos neste sentido. Aqui seguramente há um vasto campo a ser explorado.

Fonte- Publicado originalmente: http://impedimento.org/o-futebol-no-tempo-da-ditadura-entrevista-com-o-historiador-gerson-wasen-fraga/

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Cinquenta histórias de futebol e Ditadura

O futebol não está isolado do restante da sociedade. Como parte dela, reflete as mesmas contradições, interesses e ditadurafuteboltensionamentos. Influencia e é influenciado. Usa e é usado. Joga e deixa jogar. Na noite que durou 21 anos, a bola não deixou de rolar no Brasil. O futebol se modernizou, fomos tricampeões mundiais, grandes estádios foram construídos, o campeonato nacional nasceu. Por outro lado, vozes aqui e ali tentaram dizer que alguma coisa não ia bem. Como em outros campos da sociedade, o futebol brasileiro durante a ditadura militar foi espaço de conivência e atrito, submissão e tensionamento, propaganda e resistência.

A 50 anos do golpe de 1964, selecionamos 50 histórias que refletem esta relação entre o futebol e a ditadura militar no Brasil. Não são todas as histórias do período, mas uma boa síntese: dos usos do futebol pela ditadura, das tensões entre personagens e o regime, dos espaços de resistência e das vezes em que futebol e ditadura apenas se cruzaram no caminho. A pesquisa é resultado de um trabalho conjunto entre Trivela e Impedimento, e encerra os especiais dos sites sobre o tema.

1. Para se tornar popular, o presidente se juntou à maior torcida

Médici foi um presidente imposto goela abaixo dos brasileiros. Mas não era a imagem de ditador que o regime queria passar à população. Por isso mesmo, se aproveitou da paixão do general pelo futebol para criar essa aproximação. Antes de entrar para a escola militar, o gaúcho foi jogador do Grêmio de Bagé. Torcedor do Grêmio, Médici também passou a dizer que apoiava o Flamengo, uma atitude vista como populista, para ganhar a afeição da maior torcida do país. Não à toa, era quase sempre visto nos estádios. (Leia mais)

2. Um torneio para Médici

Além de associar sua imagem a um clube popular, Médici também ganhou um torneio com seu próprio nome, um ano após a conquista do tricampeonato pela Seleção Brasileira. O “Torneio do Povo”, oficialmente Torneio General Emílio Garrastazu Médici, reunia as equipes consideradas mais populares em cada estado na época. A primeira edição contou com Flamengo, Atlético-MG, Corinthians e Internacional, sendo os paulistas os primeiros campeões. Flamengo e Coritiba conquistariam as outras duas edições.

3. O Brasileirão de 1971 teve um concorrente

Uma das razões da criação do Campeonato Brasileiro em 1971 foi atender os anseios por uma competição que realmente abrangesse o país. Entretanto, a primeira edição só contou com oito estados, um a mais do que no Robertão de 1970. O suficiente para gerar a revolta em algumas regiões esquecidas pela CBD. Para protestar contra as limitações, o governador de Goiás apoiou a realização do Torneio de Integração Nacional – clara referência à política de Médici no período. Participaram seis times goianos, além de dez de outros estados. E um Atlético também foi campeão: o Goianiense, batendo a Ponte Preta nas finais. (Leia mais)

4. A Seleção foi a embaixadora dos elefantes brancos da ditadura

A construção de estádios era uma prática corriqueira do governo. Os militares faziam obras faraônicas para marcar presença em diferentes rincões do país, assim como para passar a ideia de poderio econômico. E quase sempre a Seleção era usada nessa simbolização. O maior ícone do orgulho nacional, levando milhares às arquibancadas. Entre 1964 e 1985, a equipe jogou em 17 estádios recém-inaugurados, a maioria deles suportando multidões superiores a 30 mil pessoas. (Leia mais)

5. A participação dos cartolas paulistas em 1964

O golpe de 1964 foi organizado por militares, mas não seria possível sem o apoio de parte da sociedade civil. Neste contexto, os dirigentes de clubes paulistas foram protagonistas na conspiração contra João Goulart. Segundo René Armand Dreifuss, cartolas de Portuguesa, Palmeiras, São Paulo e Corinthians estiveram envolvidos nesse processo, como representantes da elite e comandantes de organizações populares. O presidente do São Paulo nesta época era Laudo Natel, também vice-governador do Estado e que se tornaria governador por dois mandatos entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970. (Leia mais)

6. Casa de Garrincha e Elza foi invadida em 64

Na madrugada de 20 de junho de 1964, dez homens que se diziam do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) invadiram a casa de Garrincha e Elza Soares na Ilha do Governador. A história é relatada no livro “Estrela Solitária”, biografia de Mané escrita por Ruy Castro.  Não se sabe se os invasores eram agentes da ditadura. Elza e Garrincha eram alvos frequentes de hostilidades por parte de torcedores raivosos e moralistas em geral. Fato é que os homens renderam o segurança e fizeram os ocupantes da casa – Garrincha, Elza, a mãe e três filhos da cantora – ficarem nus contra parede. A casa foi completamente revirada. Antes de saírem, os homens ainda mataram um pássaro de estimação de Garrincha, presente do governador da Guanabara Carlos Lacerda. Rezava a lenda que a ave – um mainá – dava azar ao jogador. Nos dias seguintes, alguns jornais noticiaram que a casa de Garrincha e Elza havia sido invadida enquanto eles dormiam.

7. Madu na terra de Mao

Madureira

O Madureira tomou gosto por desbravar o mundo durante a década de 1960. A primeira grande aventura aconteceu na Cuba castrista, ainda nos tempos de Jango presidente, quando chegaram a ser recebidos por Che Guevara na ilha. Já no ano seguinte, o Tricolor Suburbano saiu em turnê mundial. Passou por outros países comunistas, como a União Soviética. E dez dias depois do golpe militar se consumar no Brasil, os cariocas estavam na China de Mao Tsé-Tung, o que era proibido pela Fifa. Foram recepcionados pelo vice-primeiro-ministro Chen Yi e passaram por quatro cidades. Chefiado por um militar na delegação, o Madureira só teve problema ao sair do país asiático, depois que um grupo de chineses foi detido pela ditadura brasileira. Só depois de alguns dias de negociação é que os brasileiros foram liberados para a volta. (

 8. Caio Martins foi usado como prisão política

Manoel-Martins1

O estádio de Caio Martins não servia apenas de casa ao Botafogo até alguns anos atrás. Durante a ditadura militar, foi palco de prisões e torturas, em um caso que – respeitadas as proporções – lembra o do Estádio Nacional do Chile. De acordo com estudo da Comissão da Verdade, pelo menos 38 pessoas ficaram presas em Caio Martins. (Leia mais)

9. Após o golpe, Brasil impede a participação da URSS na Taça das Nações

Brasil Argentina 1964

A CBD preparava uma grande festa em 1964. A entidade completava 50 anos e realizaria a Taça das Nações, torneio amistoso marcado para maio, com jogos no Maracanã e Pacaembu. Inglaterra, Argentina e União Soviética eram os convidados para a comemoração. Mas o início da ditadura fez com que a pressão para que a URSS fosse expulsa do torneio se tornasse enorme. Presidente da confederação, João Havelange cedeu e substituiu os soviéticos por Portugal. E, durante a preparação, mais problemas durante um reles treino, quando os jogadores utilizavam coletes vermelhos – depois, Havelange os substituiu por outros com as cores da bandeira. Mesmo com o elenco completo, o time de Vicente Feola foi vice-campeão, superado pela Argentina de Amadeo Carrizo, Antonio Rattín e Roberto Telch.

10. O Ministro que interferiu em um Gre-Nal

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Alcindo se tornou célebre por suas grandes atuações nos clássicos. Dispensado do Inter, o ídolo do Grêmio tinha gana de jogar contra seu ex-clube. Mas não poderia fazê-lo em um Gre-Nal de 1967, tendo que cumprir suspensão após ser expulso no jogo anterior. Mesmo assim, o atacante entrou em campo. A carta branca foi dada pelo Ministro da Educação e Cultura, Tarso Dutra, que era gremista. Nas arquibancadas, os colorados ironizaram o pistolão com uma faixa dizendo “Obrigado, Ministro”. E mesmo com Alcindo em campo, o Inter venceu o clássico por 1 a 0, gol de Claudiomiro. (Leia mais)

11. Embaixador foi libertado após um jogo no Maracanã

A resistência à ditadura também se misturou ao futebol de uma maneira particular. A multidão de torcedores que saía do Maracanã numa tarde de 1969 não sabia que ali estava acontecendo um capítulo importante deste período. Foi o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em 1969. Mantido por 70 horas em uma casa no Rio Comprido, no Rio de Janeiro, por militantes da Dissidência Comunista da Guanabara e da Ação Libertadora Nacional (ALN), e após a libertação de 15 presos políticos, o embaixador foi solto numa tarde de domingo, 7 de setembro de 1969. “Havia uma partida de futebol no Maracanã e era preciso alcançar exatamente a saída”, narra Fernando Gabeira no livro “O que é isso, companheiro?”. No Maracanã, para um público de 30 mil pessoas, o Cruzeiro vencia o Fluminense de Telê Santana em jogo da Taça de Prata, com dois gols de Tostão e um de Dirceu Lopes. Na dispersão da torcida, os militantes envolvidos no sequestro libertaram o embaixador e escaparam entre a multidão. No filme inspirado no livro, a cena é reproduzida com um Flamengo e Vasco. (Leia mais)

12. Morte de Marighella foi anunciada num Corinthians x Santos

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No dia 4 de novembro de 1969, o Corinthians recebia o Santos de Pelé no Pacaembu, em jogo válido pela Taça de Prata. A goleada de 4 a 1 viria em gols de Ivair, Suingue e Rivelino, duas vezes. No intervalo da partida, pelo sistema de som do estádio o locutor anunciava: “Foi morto pela polícia o terrorista Carlos Marighella”. A pouco mais de dois quilômetros do Pacaembu, na Alameda Casa Branca, Marighella, que em São Paulo havia adotado o Corinthians como time de sua preferência, havia sido morto numa emboscada preparada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. No livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, o jornalista Mário Margalhães relata que antes da bola rolar no Pacaembu a execução de Marighella já havia sido consumada. No entanto, Fleury só liberaria a área para os fotógrafos – muitos dos quais saíram do Pacaembu para registrar o caso – mais de 90 minutos depois, tempo necessário para preparar a cena e justificar os ferimentos de dois policiais e a morte de um homem que passava de automóvel, além da execução de um Marighella totalmente desarmado. (Leia mais)

13. O vexame na Copa de 1966 vira tema para a inteligência nacional

A campanha do Brasil na Copa do Mundo de 1966 não foi bem aceita pelos militares. A Seleção teve uma preparação tumultuada, que acabou refletindo em campo: eliminação na primeira fase,naquela que é ainda hoje a pior campanha da equipe nacional em Mundiais. Logo na volta ao Brasil, a delegação foi escoltada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI). Meses depois, foi criada a Comissão Selecionadora Nacional, que passaria a analisar a organização da CBD. Além disso, o técnico Vicente Feola disse que sofreu pressões externas para escalar o time no jogo decisivo contra Portugal. (Leia mais)

14. Festa oficial para o milésimo gol de Pelé

Após marcar de pênalti o milésimo gol da carreira, no dia 19 de novembro de 1969, no Maracanã, Pelé foi recebido com honras de Estado em Brasília pelo presidente Médici. O jogador foi premiado com uma medalha de mérito nacional e recebeu o título de comendador, desfilou em carro aberto pelas ruas de Brasília e ainda virou selo comemorativo. (Leia mais)

15. A “militarização” da Seleção Brasileira em 70

Após o fracasso da Seleção Brasileira na Copa de 1966, na Inglaterra, o governo militar decidiu imprimir no escrete canarinho o modelo de organização e disciplina que deseja para o Brasil. Pressionado pelo governo e pela oposição na Confederação Brasileira de Desportos (CBD), o presidente João Havelange passou a nomear militares para postos-chave dentro da Seleção. Em 1968, a preparação física passou a ser comandada por Admildo Chirol, formado na Escola de Educação Física do Exército, auxiliado por Cláudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira, que também tinham histórico na instituição militar. O tenente Raul Carlesso era encarregado de preparar os goleiros. Já o cargo de supervisor ficava por conta do capitão José Bonetti. Apesar disso, João Saldanha, conhecido por suas ligações com o Partido Comunista, assumiu o comando técnico no lugar de Vicente Feola, mas não duraria até a Copa de 1970. Para o Mundial no México, o major-brigadeiro Jerônimo Bastos foi nomeado chefe da delegação, enquanto o chefe da segurança era o major Roberto Ipiranga Guaranys, que integra a lista de torturadores do regime. Era um modo de controlar eventuais arroubos subersivos dos jogadores e também moldar o selecionado nacional à imagem e semelhança da ditadura militar. (Leia mais)

16. O sequestro que “abalou” a Seleção no México

A Copa de 1970 aconteceu em um momento de tensão política, com luta armada entre os militares e as guerrilhas de esquerda. Durante a competição, o embaixador alemão Ehenfried von Holleben foi sequestrado. E o regime tentou envolver a Seleção no entrave, dizendo que a ação dos esquerdistas causou preocupação nos jogadores, podendo até mesmo atrapalhar nos jogos. Era uma maneira de colocar a opinião pública contra os atos extremistas.

17. Médici “convocou” Dadá, mas também tirou Toninho

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O pedido de convocação de Dadá Maravilha pelo presidente Médici é fato público. Entretanto, Toninho Guerreiro acusou tempos depois o militar de também ter sido responsável por seu corte às vésperas da Copa de 1970. “Os médicos da Seleção arrumaram uma sinusite para justificar minha exclusão”, disse em 1987. Inclusive João Saldanha acusava o Doutor Lídio Toledo, médico da CBD, de ter se omitido na ocasião do corte, deixando para o próprio treinador tomar a decisão sem nenhum embasamento clínico. Fora do Mundial, Toninho seguiu em boa fase no São Paulo, mas nunca aceitou a exclusão, tendo problemas com o álcool. (Leia mais)

18. Havelange foi convocado a depor

Presidente da CBD entre 1956 a 1974, João Havelange inicialmente não era um nome do agrado dos militares. Ele chegou a prestar depoimentos em Inquéritos Policiais Militares (IPM) instaurados para investigar supostas irregularidades na entidade. Segundo o historiador Carlos Eduardo Sarmento, autor de “A regra do jogo: uma história institucional da CBF”, em depoimento ao documentário “Memórias do Chumbo”, o que incomodava os militares era uma relação familiar de Havelange com o ex-presidente Juscelino Kubitschek. A maneira como Havelange evitou maiores problemas é sempre contada para explicar sua habilidade para se relacionar com o poder: em vez de levar um advogado, ele foi acompanhado de um amigo que era general.

 19. Saldanha diz que Médici é “gente do futebol”

Uma das teorias sobre a saída de João Saldanha da Seleção relaciona às pressões do presidente Médici, especialmente diante dos pedidos de convocação de Dario, aos quais o técnico respondeu: “Eu e o presidente temos muitas coisas em comum. Somos gaúchos, gremistas, gostamos de futebol, e nem eu escalo o ministério, nem o presidente escala o time”. Entretanto, na revista Placar de 27 de março de 1970, o ‘João Sem Medo’ escreveu uma carta aberta relacionando as razões de sua demissão. E não demonstra uma rusga tão grande assim com o presidente: “O senhor é um torcedor apaixonado pelo futebol. Isso é uma maravilha. O Brasil precisava há muito de um presidente que goste de futebol, verdadeiramente, como o senhor gosta. O senhor é homem de vestiário. Seu irmão foi um jogador muito bom. Então o senhor é gente do futebol”.

20. As primeiras medidas após o tri

Para exaltar a “festa popular” depois da conquista do tricampeonato em 1970, o governo abriu o espaço do Palácio do Planalto para que o prédio público fosse ocupado pelo povo. Além disso, o primeiro a falar com os jogadores após a decisão contra a Itália foi o presidente Médici, que conversou com Pelé, Carlos Alberto, Rivellino, Gérson e outros jogadores. Segundo Pelé, a ligação não estava boa, havia muito barulho, a voz desaparecia e voltava: “Para nós, era uma grande honra falar com o presidente, sentíamos a sua emoção, que não era menor que a nossa”. (Leia mais)

21. As duas faces de Pelé em relação à ditadura

Pelé não estava mais atuando em alto nível em 1974. Mesmo assim, havia espaço para o camisa 10 no time que pouco empolgou no Mundial da Alemanha. O motivo da ausência? Segundo o craque, em entrevista dada ao UOL em 2013, boicote: “Pediram para eu voltar para seleção, eu não voltei. A filha do Geisel veio falar comigo, para eu voltar e jogar a Copa de 74. Por um único motivo não aceitei: estava infeliz com a situação da ditadura no país. Estava preocupado com o momento. Em apoio ao país, eu recusei, pois estava muito bem e poderia jogar em alto nível”. Uma posição bastante diferente da que tinha em 1972, quando falou ao jornal uruguaio La Opinión: “Não há ditadura no Brasil. O Brasil é um país liberal, uma terra de felicidade. Somos um povo livre. Nossos dirigentes sabem o que é melhor para nós e nos governam com tolerância e patriotismo”.

22. Brasil: ame-o ou seque-o

Muitos militantes políticos que se entregaram à luta armada para combater a ditadura militar enfrentaram um dilema: torcer ou secar a Seleção Brasileira de Pelé, Tostão, Rivellino e companhia na Copa do Mundo do México? Não era fácil. Afinal da contas, um triunfo no futebol representaria um triunfo do regime militar. Mas era difícil segurar a paixão de torcedor. O escritor gaúcho Aldyr Garcia Schlee, criador do uniforme verde e amarelo da seleção, conta uma história saborosa. No Rio de Janeiro, foi convidado por um amigo jornalista a assistir pela TV a partida do Brasil contra a Inglaterra, ao lado de “três representantes da alta cúpula do PCB”. O combinado é que ninguém torceria pela seleção. “Quando Jair fez o gol, Osmar puxou o revólver e descarregou na rua. E gritou: ‘Puta merda, como é bom ser brasileiro’”, contou Schlee à Folha de São Paulo.

23. “Prá frente Brasil” e o ufanismo propagandeado com a seleção

A propaganda oficial do regime lançou mão de vários recursos para tentar legitimar a imposição unilateral de poder à população brasileira. Utilizou o cinema, o rádio, os jornais e também a censura a quem quisesse contrariar as mensagens positivas sobre o governo. E nenhum desses meios esteve tão colado ao futebol quanto as músicas nacionalistas. ‘Pra Frente Brasil’ se tornou um hino da Seleção na conquista da Copa de 1970. Autor da canção, Miguel Gustavo teria pedido à Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp), organismo responsável por elaborar a propaganda da ditadura, que divulgasse sua peça. E a instituição aproveitou bem a oportunidade, transformando a música em símbolo do ufanismo e do Milagre Econômico exaltado pelo governo de Médici. (Leia mais)

24. A ligação anônima que garantiu Tostão na Copa

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Tostão era um dos destaques da seleção em 1970. Mas só se garantiu na Copa do Mundo após sofrer uma intimidação. Meses antes da convocação final, o atacante concedeu uma entrevista ao Pasquim com declarações mal vistas pelo regime, incluindo elogios a Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e considerado um inimigo da ditadura. Depois disso, o craque recebeu uma ligação pedindo para que não tocasse mais no assunto se quisesse disputar o Mundial. Sua vontade prevaleceu, mas ele não se calou completamente após a conquista. (Leia mais)

25. Roberto Mendes: jogador, técnico e deputado da oposição em Alagoas

Roberto Mendes foi destaque do Centro Sportivo Alagoano no início dos anos 60. Na mesma década, teve de assumir a função de treinador/jogador por dois anos, até que contratassem outro profissional. Sob seu comando, o CSA foi bicampeão estadual em 65 e 66. Sua família foi perseguida pela ditadura e teve dois irmãos mortos em emboscada, com sua mãe escapando por pouco de um atentado. Em meio a toda a essa efervescência política, tornou-se deputado estadual pelo MDB, o partido de oposição à ARENA e, consequentemente, ao regime. Mandato cassado e direitos políticos suspensos, Roberto Mendes relembra que sua permanência no Estado tornou-se inviável. “Neste período, foram organizadas algumas tramas para acabar com minha vida”, revela. Exilou-se de Alagoas em 1969 e só retornou em 1982, com o enfraquecimento da ditadura e a anistia dos presos e perseguidos políticos. Foi vice-presidente de futebol do CSA no tetra alagoano de 96 a 99 e no vice da Conmebol, também em 99. Leia mais: “Se estou vivo, contando essa história”. (Leia mais)

26. Chefão do governo americano em jogo da Seleção

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Henry Kissinger é um personagem bastante controverso. Ex-secretário de Estado americano, é considerado como um dos principais mentores da Guerra Fria, ao mesmo tempo em que ganhou o Nobel da Paz por negociar o fim da Guerra do Vietnã. Mas, independente de suas idas e vindas, o político é reconhecido por sua paixão pelo futebol. E esteve ao lado do presidente Geisel nas arquibancadas do Estádio Emilio Garrastazu Médici, em Brasília, para assistir a uma pouco empolgante vitória da seleção brasileira contra a seleção brasiliense. A visita do então Secretário de Relações Exteriores dos EUA à capital federal, no entanto, se dava por motivos diplomáticos, para avaliar a situação dos direitos humanos no país. (Leia mais)

27. Uma afronta bairrista à Seleção Brasileira

Após a conquista do tricampeonato mundial no México, a CBD decidiu organizar a Taça Independência, em comemoração aos 150 anos da independência brasileira. A não convocação do gaúcho Everaldo, lateral-esquerdo do Grêmio e titular da Seleção no México, provocou uma ira coletiva no Rio Grande do Sul e incendiou o bairrismo gaúcho contra o técnico Zagallo e a Seleção Brasileira. Num rompante, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Rubens Hoffmeister, desafiou a Seleção Brasileira para um amistoso contra um selecionado de jogadores do Rio Grande do Sul – que, na verdade, era um combinado de Grêmio e Inter, com quatro jogadores de outros estados e também três estrangeiros. No dia 17 de junho de 1972, o Beira-Rio recebeu o maior público de sua história: mais de 110 mil pessoas que vaiaram o Brasil durante 90 minutos. O jogo, uma verdadeira guerra, terminou em 3 a 3. Os gaúchos moveram-se mais por bairrismo que por oposição à ditadura, mas aquele foi um momento raro de contestação da ordem nacional – tanto é que os gaúchos foram criticados por falta de patriotismo. “Num raro momento de união entre colorados e gremistas, fortalecia-se a identidade gaúcha justamente quando a ditadura tratava de moldar um Brasil de fantasia, unido, próspero e feliz, muito bem representado pela seleção”, escreve o historiador Cesar Guazzelli, professor da UFRGS. (Leia mais)

28. Saldanha denuncia ditadura na Europa

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João Saldanha nunca fez questão de esconder suas ideologias. E, por isso mesmo, sempre se alimentaram suspeitas contra o técnico da Seleção. Ele era acusado de enviar informações sobre a repressão para o exterior e chegou a ser chamado para conversar por autoridades do governo. Tempos depois, em entrevista à TV Record, Saldanha admitiu os atos: “Porque eu já estava há um ano e pouco naquilo. Aí um amigo muito influente me deu uma lista de presos, desaparecidos, torturados e o diabo a quatro. Eu peguei a lista e corri a lista. Dei no Observer, no Le Monde, falei no rádio, em televisão na Europa, fiz o diabo com aquela lista”. (Leia mais)

29. O exilado que virou jogador de futebol na Bolívia

Um dos maiores especialistas em cultura africana no Brasil, o professor, historiador e escritor Joel Rufino dos Santos estudava História na USP e tinha 23 anos quando estourou o golpe militar. Procurou refúgio na embaixada bolivana e rumou para La Paz, em exílio forçado. Para se sustentar na capital boliviana, se apresentou no Municipal de La Paz e passou a jogar futebol por 100 dólares por semana. Já em 1981, durante a reabertura, publicou o livro “História política do futebol brasileiro”, relacionando diversos problemas do esporte a decisões da ditadura. (Leia mais)

30. Afonsinho participa do movimento estudantil e se liberta do passe

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Afonsinho foi um grande símbolo de rebeldia na ditadura. Tanto por sua figura, cabelos compridos e barba espessa, quanto por suas atitudes. Brigou intensamente pela liberdade de seu passe, em um tempo no qual os jogadores eram submissos aos seus clubes, e por isso mesmo sofreu represálias no Botafogo. Mas, ainda mais notável do que isso, era o seu engajamento político. O meia conciliava o futebol com a faculdade de medicina e participou do movimento estudantil. Em fevereiro de 1968, chegou mesmo a estar na missa de Edson Luís de Lima Souto, estudante morto no Rio de Janeiro por policiais militares. Após o culto, as pessoas que saíam da Igreja da Candelária foram atacadas pela cavalaria da polícia. Uma série de protestos relacionados seguiu naqueles meses, culminando no auge da repressão com o decreto do Ato Institucional No 5. (Leia mais)

31. Irmão de Zico foi o único jogador anistiado

Irmão de Zico, Nando foi perseguido pela ditadura até durante sua passagem pelo futebol de Portugal – a polícia de Salazar foi atrás do ex-jogador no hotel em que ele morava. No Brasil, começou a ser visto como subversivo pelo regime ainda na época de jovem, quando participou do Plano Nacional de Alfabetização idealizado por Paulo Freire. Chegou a frequentar o DOPS junto de sua prima Cecília, uma militante do MR8. Em 2003, Fernando Antunes Coimbra entrou com um processo na comissão de anistia do Ministério da Justiça. Sete anos depois, foi considerado pelo órgão um perseguido político dos ditadores se tornando, portanto, o primeiro jogador de futebol a ser anistiado na história do Brasil. Leia mais: Nando, irmão de Zico, revela detalhes da perseguição que sofreu na ditadura. (Leia mais)

32. Fonte Nova, uma tragédia ocultada

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Inaugurada em 1951, a Fonte Nova foi ampliada com a construção de um anel superior, sendo reinaugurada em 4 de março de 1971. Mais de 100 mil pessoas teriam comparecido ao estádio para assistir a Bahia x Flamengo e Vitória x Grêmio. No segundo tempo da partida de fundo, um refletor estourou e um pânico correu imediatamente pelas arquibancadas. Com medo de que o estádio viesse abaixo, pessoas chegaram a se jogar das arquibancadas e a invadir o campo. Oficialmente, fala-se em 2.086 feridos e dois mortos. No entanto, vivia-se o auge do regime militar e a construção de estádios era uma de suas armas. O trabalho da imprensa foi restringido, muitos atendimentos hospitalares não foram registrados e até hoje não se sabe ao certo o número exato de mortos e feridos. (Leia mais)

33. Os produtores de cacau colocam o Itabuna no Brasileirão

‘Onde a Arena vai mal, um time no nacional’. O lema tomou conta do Campeonato Brasileiro a partir de 1974, quando a derrota da Arena nas eleições fez com que o governo Geisel iniciasse uma prática clientelista através do futebol, integrando nacionalmente as cidades através da inclusão de clubes na competição nacional. De 42 times em 1975, o Brasileirão saltou para 94 participantes em 1979. Times como o Itabuna, convidado para o torneio de 1978 após um mutirão feito pelos produtores de cacau da região para arrecadar fundos, além do pedido do governador Roberto Santos, que pretendia tirar o prefeito do MDB da cidade baiana.

34. O futebol como segurança nacional no Vale do Paraíba

Além de governadores, o regime militar também determinava os prefeitos das cidades que bem entendesse. As chamadas ‘cidades de segurança nacional’ estavam nessa conta. E uma delas era Volta Redonda, da Companhia Siderúrgica Nacional, que ganhou um clube bancado pelos militares para distrair a população a partir de 1976. O ‘Voltaço’ era liderado por Isnaldo Gonçalves, presidente da Arena municipal e chefe de gabinete do prefeito. Já no Vale do Paraíba paulista, naquele mesmo ano, o prefeito biônico ajudou na refundação do São José Esporte Clube. O município comprou o estádio Martins Pereira, salvando a entidade que acumulava dívidas. A partir de então, o clube mudou de cores e de mascote.

35. Os fuscas de Maluf à seleção de 1970

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Não foi apenas Médici que bajulou a Seleção tricampeã do mundo na volta ao Brasil. Prefeito biônico de São Paulo, Paulo Maluf deu 25 fuscas ao elenco que triunfara no México e tratou de propagandear a riqueza do povo paulistano ao premiar os jogadores. Entretanto, não eram todos os cidadãos que concordavam com o político. Em 1995, uma ação popular pediu que Maluf devolvesse o dinheiro gasto com os carros, embora o ex-prefeito tenha vencido a disputa judicial no Supremo Tribunal Federal. (Leia mais)

36. José Maria Marin e o assassinato de Herzog

Em 1975, José Maria Marin era deputado estadual pela ARENA. Jornalista, Vladimir Herzog retornara de Londres para assumir o comando do departamento de jornalismo da TV Cultura. Vlado fazia parte do Partido Comunista, o que não agradava nem um pouco ao governo. Por ser considerado subversivo, Herzog foi chamado ao DOI-CODI para interrogatório. De lá, não saiu vivo, com a versão dada pelos militares de que havia se suicidado. O filho de Vlado, Ivo, acusa Marin de ter endossado o discurso do deputado Wadih Helu, que pedia investigações no Jornalismo da Cultura por crer que praticavam um desserviço à população ao levar “desconforto não só aos círculos políticos, mas também aos lares paulistanos”. (Leia mais)

37. Um militar na presidência da CBF

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) chegou a ter um presidente militar, com forte ligação com a ditadura. O Almirante Heleno Nunes presidiu a antiga CBD entre 1975 e 1979, e continuou à frente da entidade após a mudança de nome para CBF até 1980. Heleno Nunes chegou a dar nome a um torneio amistoso realizado em 1984 e vencido pelo Internacional. Oficialmente, a Granja Comary, centro de treinamentos da Seleção, leva o nome do militar. No entanto, vereadores de Teresópolis criticaram a ausência de menções à figura de Heleno Nunes após a reformulação do local.

38. O minuto de silêncio por Jango no Beira-Rio

O Internacional tinha uma relação íntima com João Goulart. Afinal, os colorados podiam dizer que o presidente foi seu ‘prata da casa’, campeão juvenil quando passou pelas categorias de base do clube. Em 1976, Jango faleceu alegadamente de ataque cardíaco, em circunstâncias ainda hoje suspeitas. E o Inter resolveu homenagear o presidente deposto pelos militares antes de uma partida. O minuto de silêncio foi impedido por policiais responsáveis pela repressão do regime, mesmo sob vaias da torcida. Em dezembro do ano passado, o clube relembrou o momento ao respeitar o minuto antes do jogo contra a Ponte Preta pelo Brasileirão. (Leia mais)

39. O futebol foi peça-chave na descoberta da Operação Condor

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O futebol contribuiu para que fosse revelada a Operação Condor, o consórcio entre países do Conesul para o sequestro e desaparecimento de militantes políticos. Numa tarde de novembro de 1978, o jornalista Luiz Cláudio Cunha, chefe da sucursal da revista Veja em Porto Alegre, recebeu uma denúncia de que um casal de uruguaios e seus dois filhos estavam sequestrados em um apartamento do bairro Menino Deus. Cunha foi averiguar a informação e levou junto JB Scalco, conhecido pelo trabalho como fotógrafo de futebol. Ao baterem na porta do apartamento, surpreenderam militares uruguaios e policiais civis gaúchos mantendo sequestrada Lilian Celiberti. O fotógrafo reconheceu um ex-jogador do Internacional, Didi Pedalada, a essa altura trabalhando como torturador do DOPS gaúcho. Foi o elo que permitiu a denúncia da Operação Condor – e a sobrevivência dos militantes sequestrados. (Leia mais)

40. Reinaldo: gols de protesto

Ídolo do Atlético Mineiro, Reinaldo foi um dos jogadores que mais deu demonstrações públicas contra a ditadura militar. Na estreia da Seleção Brasileira na Copa de 1978, na Argentina, comemorou seu gol contra a Suécia erguendo o punho cerrado, a exemplo do que faziam os Panteras Negras nos Estados Unidos. O jogador do Galo chegou a ser capa do jornal alternativo Movimento: “Reinaldo: bom de bola e bom de cuca”, estampava a publicação em 1977. Por causa das posições políticas do jogador, sua presença no Mundial foi motivo de controvérsia. E o jogador continuou sendo alvo de perseguições. (Leia mais)

41. Os estudantes protestaram pela convocação de Reinaldo

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Reinaldo foi o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 1977 com certas sobras. Ainda assim, não era nome tão frequente na Seleção quanto sua fase sugeria. Motivo para gerar suspeitas quanto à motivação política de sua ausência, diante da postura combativa que o atacante tinha em relação a suas ideologias. Foi quando o movimento estudantil de Belo Horizonte adotou também a causa do craque. A frase “Por que Reinaldo não pode ter opinião política?” foi pintada no muro da Universidade Católica de Minas Gerais, enquanto manifestações foram realizadas na Praça Sete de Setembro. A comoção popular também ganhou volume com as declarações da imprensa e do próprio presidente do Atlético Mineiro, Valmir Pereira, que se reuniu com Heleno Nunes. O craque acabou convocado à Copa, embora em um encontro com o presidente Geisel tenha ouvido: “Você cuida de futebol. Deixa que a gente cuida da política”. (Leia mais)

42. Um Flamengo x Corinthians na posse do presidente

A posse de João Baptista Figueiredo, em março de 1979, foi um megaevento. O regime realizou um show da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel; um banquete com mais de cinco mil convidados, com comidas finas que iam de faisões a camarões; e um jogo de futebol entre Flamengo e Corinthians, disputado com os portões abertos do Serejão, em Brasília. Os rubro-negros venceram por 2 a 0, gols de Cláudio Adão e Tita, e foram condecorados com o “Troféu João Baptista Figueiredo”.

43. Presidente Figueiredo busca auxílio para salvar o futebol

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“Já não há craques como antes no Brasil” e “a violência nos estádios aumenta a cada dia”. Críticas contemporâneas? Nem tanto. Essas eram as queixas do presidente eleito, João Baptista Figueiredo, pouco antes de tomar posse, em outubro de 1978. O político fez o apelo de ajuda a jornalistas que visitaram Brasília, sob a promessa de formarem um grupo de trabalho de alto nível para realizar a pesquisa junto a dirigentes, jogadores e juízes. (Leia mais)

44. Mundialito de 81: a seleção como “válvula de escape”

O desgaste da ditadura militar e o esfacelamento do “Milagre Econômico” fizeram com que o Mundialito de 1981, disputado do Uruguai, representasse um outro momento na relação da Seleção Brasileira com o regime. No lugar do ufanismo do tri em 1970, entrava o futebol como válvula de escape para um cotidiano difícil. “Uma vitória naquele momento representaria não o alinhamento nacional a um projeto político e econômico vitorioso, mas um pequeno momento de alegria diante de um cenário futuro que se apresentava sombrio”, explica o historiador Gerson Wasen Fraga. Mesmo na imprensa, foram mais comuns as críticas à ditadura durante a campanha do Brasil no torneio disputado em Montevidéu. (Leia mais)

45. As Diretas Já abafam o hino na final do Brasileiro

A Emenda Dante de Oliveira já havia perdido o pleito no Congresso, mas o desejo pelas ‘Diretas Já’ continuava vivo na população. Mais de 128 mil torcedores lotaram as arquibancadas do Maracanã para a final do Campeonato Brasileiro de 1984, entre Fluminense e Vasco. E os acordes do hino nacional não puderam ser ouvidos diante do coro feito pelas duas torcidas pedindo as eleições diretas. (Leia mais)

46. Uma faixa pela anistia na torcida do Corinthians

Uma partida entre Santos e Corinthians, em 11 de fevereiro de 1979, registrou um dos maiores públicos da história do Morumbi. Mais de 103 mil pessoas viram o Corinthians vencer com gols de Sócrates e Palhinha. Mas a partida entrou para a história por outro motivo. No meio da torcida Gaviões da Fiel, brotou uma faixa com os dizeres: “Anistia ampla, geral e irrestrita”. “Isso mostrou o perigo da popularização do movimento de anistia e serviu para acelerar o processo. O governo militar fez a anistia antes que fossem obrigados”, afirmou o advogado e militante político Aton Fon Filho, idealizador da ação no Morumbi. (Leia mais)

47. O comunista campeão brasileiro em 1981

O centroavante Heber não é das figuras mais lembradas no Grêmio campeão brasileiro de 1981. Vindo do Goiás e reserva de Baltasar na maior parte da campanha, era conhecido por ser um jogador técnico. Mas também por sua ideologia. Nos anos 1980, período de distensão da ditadura militar, chegou a declarar em uma entrevista que simpatizava com o comunismo. Além disso, sua própria figura mostrava essa rebeldia, com barba e cabelos longos.

48. Militar vetou mensagens políticas na camisa do Corinthians

Presidente do Corinthians entre 1981 e 1985, Waldemar Pires foi chamado no Rio de Janeiro pelo brigadeiro Jerônimo Bastos, então presidente do Conselho Nacional de Desportos (CND). “Vocês não podem utilizar essse espaço para fins políticos”, disse Jerônimo, segundo depoimento de Pires ao livro “Democracia Corintiana – a utopia em jogo”, escrito por Sócrates e Ricardo Gozzi. Em uma ideia do publicitário Washington Olivetto para chamar atenção para possíveis anúncios, mensagens alusivas às Diretas eram estampadas na camisa do Corinthians. Até o veto do brigadeiro. “Ele pediu que tirássemos a mensagem e nós o fizemos”, contou Waldemir Pires.

49. Quando Tancredo x Maluf virou Fla x Flu

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Flamengo e Fluminense fizeram a decisão da Taça Guanabara de 1984 sob forte influência política. Afinal, os adversários na decisão resolveram se posicionar diante da disputa entre Tancredo Neves e Paulo Maluf, candidatos nas eleições indiretas que determinariam o primeiro civil a presidir o Brasil em 21 anos. Em uma visita a Brasília, quatro jogadores tricolores deram uma passada no gabinete de Maluf. Deixa para o presidente rubro-negro, George Helal, se dizer tancredista. Os próprios candidatos começaram a palpitar sobre a decisão: para Tancredo, 3 a 1 Fla; para Maluf, 2 a 1 Flu. E, enquanto as torcidas rivais concordavam entre si nas arquibancadas, com faixas contra as “malufadas”, os flamenguistas anteciparam a vitória tancredista ao ficar com a taça. (Leia mais)

50. A derrota das Diretas culminou no adeus do Doutor

O engajamento de Sócrates na reabertura do Brasil é evidente. Líder da Democracia Corintiana e capitão da Seleção de 1982, o Doutor saiu às ruas para promover a campanha das ‘Diretas Já’. No último comício antes da votação da Emenda Dante de Oliveira, que decidiria se as eleições de 1985 seriam diretas ou não, o meio-campista prometeu permanecer no país se a democracia voltasse a ser lei no país. O Dia do Fico de Dom Pedro III, como passou a ser chamado pelos companheiros corintianos. Não pôde cumprir a promessa. “A emenda não passou e eu me senti, além de absolutamente frustrado e chocado, comprometido a ir embora”, afirmou. Acabou assinando com a Fiorentina, da Itália.

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CNV: A Comissão Nacional da Verdade torna públicos documentos entregues pelo governo norte-americano

Publicado em  01 de Julho de 2014
Fonte: CNV

A Comissão Nacional da Verdade torna públicos documentos entregues pelo governo norte-americano

O Ministério das Relações Exteriores encaminhou à CNV, em 20 de junho de 2014, 43 (quarenta e três) documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, produzidos no período de janeiro de 1967 a dezembro de 1977 e recebidos do governo norte-americano por ocasião da visita ao Brasil do Vice-Presidente Joseph Biden, em junho último.

A fim de dar divulgação, a Comissão Nacional da Verdade torna públicos os documentos recebidos do governo norte-americano.

Por fim, a CNV assinala que os documentos disponibilizados foram produzidos com base em dados colhidos por representantes do estado norte-americano e podem conter informações não corroboradas pelas investigações conduzidas por esta Comissão.

 

Segue abaixo a lista de documentos entregues pelo governo norte-americano sobre a conjuntura política brasileira de 1967 a 1977:

 

Documento 01: Congressional Committee Approves Amendment to Human Rights Provision of Draft Constitution

Documento 02: Bank Robberies, Terrorism and Violence

Documento 03: Impact of Ambassador Elbrick’s kidnapping

Documento 04: Dominican involvment in terror

Documento 05: Attitudes of an MDB Leader

Documento 06: Conditions in DEOPS prison as told by detained american citizen

Documento 07: Telegram – Death of terrorist leader

Documento 08: Human Rights Question

Documento 09: Instituitions of justice and civil rights

Documento 10: Telegram – Henning Boilesen

Documento 11: Esquadrão da Morte

Documento 12: Esquadrão da Morte

Documento 13: Council for defense of humans rights

Documento 14: Church state relations

Documento 15: Telegram- Hunger strijes continues

Documento 16: Allegation of torture in Brazil

Documento 17: Student president arrest stirs protect on PUC campus

Documento 18: President’s speech on ninth birthday of 1964 revolution

Documento 19: Increase in subversion

Documento 20: Esquadrão da Morte

Documento 21: Student arrests

Documento 22: Political Prisoners

Documento 23: Student arrests

Documento 24: Church-state relations

Documento 25: Political prisoners in Brazil

Documento 26: Government provides information of missing people

Documento 27: Human rights

Documento 28: Investigations of torture

Documento 29: Human rights

Documento 30: Death of Zuzu Angel

Documento 31: Brazilian congressional reaction to president-elects statement of humans rights

Documento 32: Human rights

Documento 33: Restraints  on publication of humans rights report by local press

Documento 34: Press and official reaction to U.S/Brazil humans rights dispute

Documento 35: Press perceptions of humans rights

Documento 36: Foreign minister criticizes US approach on human rights, coffe prices, handling of missionares and student incidents

Documento 37: Draft human rights evaluation report on Brazil

Documento 38: Human rights conversation with lawyer for Aldo Silva Arantes

Documento 39: Geisel defines human rights in terms of social progress

Documento 40: Case of Flavio Tavares

Documento 41: Dom Helder Camara condemns obsession with national security and defends humans rights

Documento 42: Widespread arrests and psychophysical interrogation of suspect subeversives

Documento 43: Political arrests and torture in São Paulo

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CNV: Nota à imprensa – Recebimento de relatórios das Forças Armadas e documentos do governo dos EUA

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Publicado em  02 de Julho de 2014
Fonte: CNV

Nota à imprensa – Recebimento de relatórios das Forças Armadas e documentos do governo dos EUA

Com a finalidade de proceder à avaliação de documentos recentemente recebidos do Ministério da Defesa e do Ministério das Relações Exteriores, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) esteve reunida em São Paulo, no último dia 27 de junho.

Encaminhados à CNV em 17.06.2014, os documentos oriundos do Ministério da Defesa correspondem aos relatórios das sindicâncias realizadas pelas Forças Armadas, em atendimento a pedido formulado pela CNV em 18.02.2014, e destinadas a apurar a ocorrência de tortura e outras graves violações de direitos humanos em instalações militares.

Em que pese considerar positivo o acatamento da solicitação da CNV por parte do Ministério da Defesa e dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, a CNV deplora e lamenta profundamente o entendimento exarado nos três relatórios, de que não há comprovação da ocorrência de tortura e outras graves violações de direitos humanos nas instalações militares investigadas. Diante da completa incorreção dessa conclusão, registre-se – conforme informações que foram detalhadas pela CNV por ocasião da solicitação de instauração das sindicâncias – que o Estado brasileiro, em virtude até mesmo de lei aprovada em 1995 pelo Congresso Nacional (Lei federal nº 9.140, de 04.12.1995), já reconheceu sua responsabilidade por aquelas condutas criminosas de militares e policiais praticadas durante a ditadura, incorrendo inclusive no pagamento de indenizações por conta justamente de fatos agora supreendentemente negados.

Assim, a CNV está elaborando e enviará dentro dos próximos dias ao Ministério da Defesa pedido de esclarecimento sobre as informações e conclusões produzidas pelas sindicâncias. O texto integral de cada um dos relatórios das Forças Armadas já se encontra acessível ao público no site da CNV.

DOCUMENTOS NORTE-AMERICANOS – A documentação enviada pelo Ministério das Relações Exteriores em 20.06.2014 consiste, por sua vez, de 43 (quarenta e três) documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, produzidos no período de janeiro de 1967 a dezembro de 1977 e recebidos do governo norte-americano por ocasião da visita ao Brasil do Vice-Presidente Joseph Biden. 18 (dezoito) desses documentos, produzidos entre 1967 e 1974, foram desclassificados e tornados acessíveis em 19 de maio de 2014. Quanto aos outros 25 (vinte e cinco) documentos, estes produzidos entre 1973 e 1977, já haviam sido desclassificados entre os anos de 2005 e 2009.

A CNV recebe com satisfação a iniciativa do governo norte-americano de disponibilizar esses documentos para a sociedade brasileira e manifesta o desejo de que essa colaboração tenha prosseguimento. Os documentos enviados estão sendo analisados pelos pesquisadores da CNV e, com a finalidade de se permitir, também, sua ampla consulta, estarão acessíveis ao público no site da CNV a partir da data de hoje.

 

Brasília, 02 de julho de 2014.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE
Pedro Dallari (coordenador), José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha

 

Mais informações à imprensa: Davi Mello
(61) 3313-7355 | (61) 9631-1558 | comunicacao@cnv.presidencia.gov.br

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