Brilhante Ustra é condenado por morte de jornalista nos anos 70

O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado em primeira instância a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em 1971 em decorrência de torturas do regime militar (1964-1985).

Ele terá que pagar R$ 50 mil, por danos morais, para a ex-companheira de Merlino, Angela Mendes de Almeida, e o mesmo valor para a irmã dele, Regina Merlino Dias de Almeida. Cabe recurso.

É a primeira vez que a Justiça manda um agente da ditadura pagar reparação financeira a familiares de uma vítima de tortura. Em casos semelhantes, a responsabilidade recaiu sobre o Estado.

A decisão condenando o militar foi proferida anteontem pela juíza Claudia de Lima Menge, da 20ª Vara Cível de São Paulo.

Ustra comandava o DOI-Codi (centro de repressão do Exército) em julho de 1971, quando Merlino, integrante do Partido Operário Comunista, foi levado para o órgão. Ele morreu quatro dias depois de ser preso.

Na época, a versão apresentada pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social) foi a de que Merlino havia se jogado diante de um carro na BR-116, após fugir de uma escolta que o levava para o Rio Grande do Sul.

A versão foi contestada nos depoimentos de outros presos, que contaram que Merlino foi torturado no pau de arara e colocado desacordado em um veículo.

Em sua sentença, a juíza afirma serem “evidentes os excessos” cometidos por Ustra, que “participava das sessões de tortura e, inclusive, dirigia e calibrava intensidade e duração dos golpes”.

Testemunhas ouvidas no processo afirmaram que os maus-tratos a Merlino foram comandados por Ustra.

Um dos advogados do militar, Paulo Alves Esteves, informou que recorrerá da decisão. Ele afirmou que os atos que levaram à condenação foram “apagados” pela Lei da Anistia.

“A fonte do direito à indenização passa por um ilícito que já foi anistiado”, disse.

Durante o processo, a defesa protocolou reclamação no Supremo Tribunal Federal alegando que a ação da família de Merlino violava a decisão da corte que, em 2010, manteve a validade da Lei da Anistia.

O ministro Carlos Ayres Britto negou o pedido de Ustra em outubro de 2011.

O entendimento foi de que a anistia extinguiu a possibilidade de uma condenação penal, mas não a responsabilidade civil e o eventual pagamento de indenização.

A reportagem ligou para a casa de Ustra em Brasília, mas a mulher dele afirmou que ele não estava.


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Família de Herzog entrará com novo recurso para apurar morte

A família do jornalista Vladimir Herzog pretende protocolar pedido de cumprimento de ordem judicial que determinou a apuração, pelo Ministério Público Federal, das circunstâncias da morte do ex-diretor de jornalismo da TV Cultura durante o regime militar. Em sentença judicial de 27 de outubro de 1978, o juiz federal Márcio José de Moraes determinou, com base no Código de Processo Penal, a retomada das investigações sobre o caso, em ação judicial na qual Clarice Herzog, viúva do jornalista, responsabilizava a União pela prisão e homicídio.

A família estuda pedir o cumprimento da ordem judicial, ignorada na época, por meio da Comissão da Verdade, instalada em maio para apurar as violações de direitos humanos na ditadura. Ivo Herzog, filho do jornalista, afirmou ontem que o governo da época não contestou a decisão do juiz , proferida antes da promulgação da Lei da Anistia, em 1979.

— A gente deve fazer o pedido nos próximos dias. É algo que passou despercebido durante todos esses anos. A sentença, baseada no Artigo 40 do Código Penal, determinou que fossem investigadas as circunstâncias da morte. A família vai tomar as medidas cabíveis para o cumprimento. É uma decisão de 1978, anterior à Lei da Anistia, então ela não pode ser aplicada em relação a essa decisão, até porque não é uma ordem condenatória, é uma ordem investigatória — disse Ivo.

O filho do ex-diretor da TV Cultura antecipou ainda que pedirá também a expedição de um novo atestado de óbito com o motivo real da morte:

— Vamos pedir emissão de um novo atestado de óbito que não sustente a fantasia do suicídio.

Herzog compareceu em 24 de outubro de 1975, para depor no DOI-Codi, em São Paulo. No dia seguinte, foi apresentado como morto por enforcamento, suicídio que teria sido cometido com o seu próprio cinto.

O filho de Herzog se reuniu nesta segunda-feira com a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, em São Paulo. O governo federal informou este mês à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que não reabrirá a ação criminal sobre a morte do jornalista, devido à Lei de Anistia. A família do jornalista anunciou que recorrerá à Corte Interamericana, que denunciou o Brasil em março pela morte de Herzog.

Rosário disse que a Comissão da Verdade tem respondido por essas questões e não comentou o episódio. Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos afirmou que, na reunião, foram destacados “os objetivos de esclarecimento das circunstâncias da morte e desaparecimento de pessoas”.

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Casa da morte: cobra e jacarés na hora da tortura

Cinco filhotes de jacaré e uma jiboia foram usados, na primeira metade dos anos 1970, para torturar os presos políticos levados para a carceragem do Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do I Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde também funcionava o Destacamento de Operações de Informações (DOI). O tenente-coronel reformado Paulo Malhães, de 74 anos, na época lotado no DOI, disse que os animais eram dele e foram capturados no Rio Araguaia, na Região Amazônica, durante a campanha militar contra a guerrilha do PCdoB.
Malhães, que usava o codinome “doutor Pablo” na repressão, contou ao GLOBO, em reportagem publicada ontem, como funcionava um aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis. Na literatura dos anos de chumbo, o lugar ficou conhecido como “Casa da Morte”, de onde só teria saído com vida um dos mais de 20 presos políticos que passaram por lá, a ex-militante da VAR-Palmares e VPR Inês Etienne Romeu. O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, ministro Gilson Dipp, anunciou que pretende ouvir Malhães.

— Contamos com a boa vontade da parte dele para reconstruir os fatos. É preciso lembrar que a comissão não tem caráter judicial e nem punitivo. Então, eu lhe ofereço essa garantia. Ele não precisa temer consequências — disse Dipp.

Pata, Peta, Pita, Pota, Joãozinho e Míriam

A trajetória de Malhães no Exército está relacionada com as principais operações deflagradas entre 1969 e 1974 contra a luta armada, incluindo o DOI do Rio e, posteriormente, a Casa da Morte de Petrópolis, já no CIE. Em entrevista de cinco horas ao GLOBO, na terça-feira, ele disse que estava à beira de um rio, na região do Araguaia, quando sentiu a terra mexer e descobriu que era o movimento de filhotes de jacarés. Conseguiu capturar cinco, que batizou de Pata, Peta, Pita, Pota e Joãozinho, além de uma jiboia de seis metros, chamada Míriam. Todos foram levados para a sede do DOI no Rio.

— Os filhotes não mordiam. Só faziam um tec-tec com a boca — disse, reproduzindo com a mão o abrir e fechar da boca dos jacarés.

Pelo menos três ex-presos políticos confirmaram ter sido vítimas de tortura com o uso dos animais. O jornalista mineiro Danton Godinho Pires, que ficou preso de 1969 a 1973, passando 90 dias no PIC, recorda-se da jiboia Míriam:

— Eles chegaram com um isopor enorme, apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra imensa, que eles chamavam de Míriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas, irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se deslocar, arranhou o meu; chegou a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que ela exalava, um fedor que custei a esquecer.

Já a cientista social Dulce Pandolfi, que ficou presa no PIC de agosto a novembro de 1970, conta que foi aterrorizada por um jacaré. Mas não sabe se foi o mesmo trazido por Malhães, uma vez que a campanha militar no Araguaia teria começado depois:

— Eles trouxeram um jacaré amarrado e colocaram sobre o meu corpo.

É um relato parecido com o da psicóloga Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio. Ela conta que estava nua e amarrada à cadeira, na cela, quando um filhote de jacaré passou pelo seu corpo.

Malhães, que hoje mora num sítio isolado na Baixada Fluminense e diz que o Exército brasileiro da atualidade não é mais o dele, contou que esteve no Araguaia no começo e na parte final da operação, “quando o CIE assumiu”. Na época, ele pertencia às equipes de busca e apreensão, as EBAs, espécie de embrião dos DOIs. O oficial não se recorda das datas, mas garante que defendeu na ocasião a ideia de que que guerrilheiros do PCdoB não poderiam ser enfrentados com forças regulares e uniformizadas:

— Guerrilha se enfrenta com guerrilha. Quando fui, no começo no Araguaia, com o pessoal fardado, era muito fácil identificar o Exército.

O ministro Gilson Dipp disse que a Comissão da Verdade, inicialmente, pretende colher depoimentos em Brasília, mas está disposto a abrir uma exceção se Malhães quiser falar. Ele garantiu que o único objetivo do trabalho é recompor a verdade histórica. Lembrou também que a comissão não tem caráter judicial nem está subordinada a qualquer órgão governamental:

-— Como não tem fim jurídico, as pessoas não precisam ter medo de depor. Nosso compromisso é com a História do Brasil.

Malhães revelou que cada equipe levava o seu preso para a casa de Petrópolis. Ele disse que esteve no aparelho com seis presos, mas não os identificou. Mencionou apenas os nomes de três oficiais do CIE que também teriam atuado no aparelho clandestino, os então capitães e majores Freddie Perdigão Pereira, Rubens Paim Sampaio e José Brant Teixeira.

—- Tem uns caras formadores: eu, Perdigão, Sampaio. O Branzinho (José Brant Teixeira) era dos meus. Cada um tinha sua equipe, e a levava quando subia — contou Malhães, que também admitiu a existência de um outro major e de um “Dr. Guilherme”. Ele, no entanto, se recusou a relevar os nomes dos dois.

Rubens Paim Sampaio também foi localizado pelo GLOBO. Ele vive num bairro de classe média alta em Resende, interior do Rio de Janeiro. Procurado, recusou-se a atender a reportagem.

—- Ele fez o trabalho que tinha que fazer naquela época. É passado e ficou no passado. Ele não tem nada a declarar — afirmou a mulher do oficial, Jeane Sampaio.

Malhães também confirmou o envolvimento do cabo Félix Freire Dias e do sargento Ubirajara Ribeiro de Souza. Em entrevista à revista “IstoÉ”, em 2004, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) disse que Félix era o responsável por esquartejar os corpos dos guerrilheiros assassinados. Entre eles estaria o do deputado federal, Rubens Paiva.

— Félix era um cara engraçado de se conviver — comentou o coronel, ao dizer que o sargento Ubirajara pode ter feito parte de sua equipe, mas negando que Félix pertencesse ao grupo também, embora talvez atuasse com o então major Perdigão.

Ubirajara também se recusou a falar sobre o assunto:

— Só com autorização do Exército.

Nos arquivos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, constam os nomes de 26 militares que teriam atuado na casa, dos quais oito ainda não identificados. Também são conhecidos os nomes do coronel Éber Teixeira Pinto, do tenente-coronel Riscala Corbage, do major-médico Ricardo Agnese Fayad, do capitão Aílton Guimarães Jorge (conhecido como capitão Guimarães), do já falecido tenente-médico Amílcar Lobo, do tenente-sargento Jurandyr Ochsendorf e Souza, do cabo Severo Ciríaco, do delegado da Polícia Federal Orlando de Souza Rangel, do comissário da Polícia Federal Luís Cláudio Azeredo Viana, do agente da Polícia Federal Luís Timóteo de Lima, do soldado da PM/RJ Jarbas Fontes e, de patente não identificada, Antônio Freitas da Silva.

Fonte- O Globo
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/relato-dos-poroes-cobra-jacares-na-hora-da-tortura-5305890#ixzz1yvGSRTsA

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Por que Dilma não recebe Marin

A presidenta Dilma Rousseff fez questão de não receber o ex-presidente da CBF e do COL, Ricardo Teixeira que, diante do clima pesado acabou por fugir para Boca Raton.

E ela também não está nada disposta a receber o novo presidente das duas entidades, José Maria Marin.

E não é porque ele foi servil serviçal da ditadura, porque outros também foram, como José Sarney e Paulo Maluf, todos até homenageados.

Mas Marin fez mais.

Com seus discursos na Assembléia Legislativa de São Paulo, em 1975,  Marin foi fartamente responsável pela prisão que acabou no assassinato do jornalista Vladimir Herzog.

O então deputado Marin se desfazia em elogios ao torturador Sérgio Paranhos Fleury e ao seu bando, assim como engrossava “denúncias” sobre a existência de comunistas na TV Cultura, cujo jornalismo era dirigido por Vlado.

Um desses discursos, no dia 9 de outubro de 1975, aconteceu 16 dias antes de Herzog ser torturado e morto nas dependências da Operação Bandeirantes (OBAN), na rua Tutóia, em São Paulo, por agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI)

E Dilma, com razão, disso, não esquece.

Porque servir a ditadura é uma coisa, mancha indelével, sem dúvida.

Mas a dedo-duragem desperta asco invencível.

(Blog do jornalista Juca Kfoury, na UOL)

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Comissão de Direitos Humanos é instalada na Câmara Municipal

Comissão de Direitos Humanos será instalada na segunda

A Câmara Municipal instalou nesta segunda-feira, a Comissão Especial de Direitos Humanos, após requerimento aprovado em março deste ano. Na reunião de instalação, ao meio-dia, os vereadores Emerson Prado (PSDB), Jorge Yamawaki (PSDB), Julieta Reis (DEM), Paulo Salamuni (PV) e Pedro Paulo (PT) escolheram o presidente e o relator do grupo, para dar início às atividades. Os trabalhos devem durar até o fim da legislatura, em dezembro.
A ideia da comissão é manter o Legislativo de Curitiba inserido em discussões, encaminhamentos e posicionamentos sobre temas de relevância municipal, estadual e nacional, com ênfase aos direitos humanos. A proposta para a criação do grupo especial partiu do vereador Pedro Paulo, que já manifestou em plenário a disposição de ocupar a presidência ou a relatoria dos trabalhos. Ele espera ser possível fazer uma ponte entre a comissão da Câmara de Curitiba e a Comissão da Verdade.
Os direitos humanos também podem ser mote de comissão permanente da Casa. A Comissão Especial de Revisão do Regimento Interno, que trabalha para adequá-lo à nova Lei Orgânica do Município (LOM), aprovada em dezembro do ano passado, acatou sugestão para que a questão passe a ser discutida pela atual Comissão de Segurança Pública e Defesa da Cidadania, que teria a nomenclatura alterada. Eventuais alterações no procedimento da Câmara precisam passar pela análise do plenário.
Objetivos do Milênio
Instalada em 2009, a Comissão Especial de Direitos Humanos para Estudo e Aplicação dos 8 Objetivos do Milênio na Cidade de Curitiba teve as atividades encerradas em abril deste ano. Presidida pela vereadora Renata Bueno (PPS), autora da proposição que originou sua criação, o grupo apresentou à prefeitura, em 2011, documento que propõe a efetivação da Comissão Municipal de Direitos Humanos (CMDH). A relatoria ficou a cargo de Julieta Reis.

Fonte-Câmara Municipal

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Dilma contou ter sofrido encenação de fuzilamento

Num depoimento de 2001, mas só agora divulgado, a presidente Dilma Rousseff relata detalhes sobre sua prisão aos 22 anos, ameaças e a tortura a que foi submetida na ditadura militar (1964-1985). Ela fala em medo, dor, choques, palmatórias e as marcas que ficaram disso tudo.

Entre as ameaças, cita uma encenação de fuzilamento e frases como “você vai ficar deformada”, “ninguém vai te querer”, “vai virar presunto”.

O relato foi feito ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais, num processo para que ela pudesse ser indenizada em R$ 30 mil pelo Estado. Parte do teor foi divulgado no domingo pelos jornais “Correio Braziliense” e “Estado de Minas”.

Dilma e outros militantes em interrogatório em Juiz de Fora, em 1972; na fila de trás, de óculos, o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento)

“O estresse é feroz, inimaginável. Descobri pela primeira vez que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando a minha pele tremeu”, diz ela. Leia a íntegra:

Termo de depoimento

Compareceu à sede da comissão de indenização de presos políticos do Rio Grande do Sul no dia 25 de outubro de 2001 a sra. Dilma Vana Rousseff, divorciada, economista, RG 901758222, residente na av. Copacabana 1.205/503, bairro Tristeza, Porto Alegre, para prestar o seguinte depoimento:

Diz a requerente que foi presa no dia 16 de janeiro de 1970, às 16h, em São Paulo, e foi encaminhada à época para as dependências da Operação Bandeirante (Oban)1, que transformou depois em DOI-Codi II, Departamento de Operações Especiais, Centro de Operações de Defesa Interna da 2ª Região Militar. A denúncia diz o seguinte: art. 47 da Lei de Defesa Nacional: “Praticar atos destinados a provocar a guerra revolucionária; instituir ditaduras de classe ou de partido”.

“Na verdade, àquela época, o DOI-Codi2 era o centro de tortura mais pesado do país, no caso em São Paulo, Operação Bandeirante. Lá você deixava de ter identidade e só ia existir legalmente quando chegasse ao Dops3. E em São Paulo fui fundamentalmente interrogada no início das atividades lá praticadas.

Tinha sido transferida para São Paulo em setembro de 1969 e tinha dirigido a VAR-Palmares4. Centraram o interrogatório no período de setembro de 1969 a janeiro de 1970. No entanto, como tinha começado a militância em Belo Horizonte, desde 64, logo após o golpe militar, o período de 1964 até o início de 1969 não foi objeto dos principais interrogatórios e da tortura de São Paulo no início.

Para pessoas que tinham militado em diferentes atividades políticas em diferentes Estados, o problema dos interrogatórios e das torturas era muito grave, porque era interrogado num Estado, depois era levado para outro e começava tudo de novo, tortura e interrogatório.

Comigo isso aconteceu em três Estados: São Paulo, onde fui presa, Minas Gerais, para onde fui transferida, e Rio de Janeiro, onde também fui transferida” [acredita], “em dezembro de 1971.

** Sua transferência para Minas Gerais e os interrogatórios: entrou na clandestinidade porque logo após o AI-55, de dezembro de 68, um violento processo repressivo foi desencadeado em BH.

“Naquela época, não apenas nos perseguiam, mas em algumas oportunidades as ‘batidas’ que eram realizadas para nos descobrir eram televisionadas. Eu comecei a ser procurada em Minas Gerais nos dias seguintes à prisão de Ângelo Pezzuti6.

Militante da VRP, preso pelo Dops em janeiro de 1969 em Belo Horizonte. Sofreu vários tipos de tortura até que, em 1970, ele e outros 39 presos foram trocados pelo embaixador alemão sequestrado. Em 72, chegou a ser preso no Chile. Morreu em 11 de setembro de 1975 num acidente de motocicleta em Paris

Embaixador

Trata-se do embaixador americano Charles Burke Elbrick, sequestrado em 4 de setembro de 1969 para ser trocado por presos políticos

Eu morava no edifício Solar com meu marido, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, e numa noite, no final de dezembro de 68, o apartamento foi cercado e conseguimos fugir na madrugada, devido à suposição dos policiais do Dops de Minas Gerais de que não estávamos em casa. O porteiro disse a eles que não estávamos em casa. Fugimos pela garagem que dá para a rua de fundo, rua Goiás.

A partir desse dia, ficamos clandestinos, no início de 1969. Mudei para o Rio de Janeiro no início de 69. Em setembro, depois do sequestro do embaixador7, eu ainda estava no Rio de Janeiro, me mudei para São Paulo, quando então fui presa, em 1970.

Os policiais, tanto do Exército como os do Dops que integravam a Operação Bandeirante, não me interrogaram sobre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mais ou menos em abril de 1970, foram agentes do Dops de Minas Gerais, cujos nomes não sei, mas que vinham de Minas Gerais. Fui sempre interrogada por militares e civis. Acho que em Minas Gerais por civis, sobretudo, e os dois principais identificaram-se como policiais do Dops de Minas Gerais. Dr. Medeiros, que era nome falso. Fui interrogada dentro da OB por policiais mineiros, que me interrogaram sobre o que aconteceu em Minas Gerais. Interrogaram sobre processo na auditoria de Juiz de Fora, estavam muito interessados em saber meus contatos com Ângelo Pezzuti, que, segundo eles, já preso, mantinha comigo um conjunto de contatos para que eu viabilizasse sua fuga. Eu não tinha a menor ideia do que se tratava, pois tinha saído de BH no início de 69 e isso era no início de 70. Desconhecia as tentativas de fuga do Ângelo Pezzuti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira.

Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata.

Acredito hoje ter sido por isso que fui levada em maio de 1970 para Minas Gerais, especificamente para Juiz de Fora, sob alegação de que ia prestar esclarecimentos em processo que ocorria na 4ª CJM, o que de fato ocorreu no dia 18 de maio de 70. Mas depois do depoimento eu fui levada. Ou melhor, teria de ser levada para São Paulo, mas fui colocada num local encapuzada que, sobre ele, tinha várias suposições: ou era uma instalação do Exército ou delegacia de polícia. Mas acho que não era do Exército, pois depois estive no QG do Exército e não era lá.

**Nesse lugar ficou sendo interrogada sistematicamente e queriam que entregasse os contatos de PM ou PC para viabilizar a fuga do Ângelo.

Não era, sobretudo, sobre minha militância em Minas Gerais. Supuseram que, tendo apreendido documentos do Ângelo (que integram o processo), achavam que nossa organização tinha contatos com PM [Polícia Militar] ou PC [Polícia Civil] mineira que possibilitassem fuga de presos. Acredito ter sido por isso que a tortura foi muito intensa, pois não era presa recente, não tinha “pontos” e “aparelhos” para entregar.

Eu considero justamente que a premissa da qual eles partiram era que existia entre eles, ou na instituição deles, algum traidor, o que explica a intensidade com que fui torturada naquele período e o uso de todas as sevícias de que fui objeto. Esse dr. Medeiros aparecia de novo e ocupava um lugar central. Nessa segunda vez, alguém o chamava de Lara e tinha outro que identifico, que se chamava Joaquim, que me pareceu não um delegado do Dops, mas um agente de segundo nível, um inspetor, coisa assim.

Uma das coisas que me aconteceram naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban. Minha arcada girou para o outro lado, me causando problemas até hoje. Problemas no osso do suporte do dente. Me deram soco, e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para SP, o Albernaz8 completou o serviço com um soco, arrancando o dente.

Albernaz

Capitão Alberto Albernaz, do DOI-Codi de São Paulo

**Algumas características da tortura:

No início não tinha rotina, não se distinguia se era dia ou noite. O interrogatório começava, geralmente o básico era choque. Começava assim: “Em 68, o que você estava fazendo?” E acabava no Ângelo Pezzuti e na fuga, ganhando intensidade com sessões de pau-de-arara, o que a gente não aguenta muito tempo.

Então, se o interrogatório é de longa duração, com interrogador experiente, ele te bota num pau-de-arara em alguns momentos e depois leva para o choque. Uma dor que não deixa rastro, só te mina.

Muitas vezes também usava palmatória. Usava em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco esse método. No final, quando estava para ir embora, começou uma rotina. No início não tinha hora, era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me alimentava direito.

Tinha muito esquema de torturas psicológicas, ameaças. Eles me interrogavam assim: “Me dá o contato da organização com a polícia”. Eles queriam o concreto. “Você fica aqui pensando. Daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura.” A pior coisa é esperar por tortura.

Depois, as ameaças. “Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada, e ninguém vai te querer. Ninguém sabe que você está aqui. Você vai virar um presunto e ninguém vai saber.” Em São Paulo, me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas eu não lembro, pois os lugares se confundem um pouco.

Delegado Fleury

Sérgio Paranhos Fleury, policial que comandou o Dops de São Paulo, perseguiu, torturou e matou vários militantes de esquerda, como Carlos Marighella. Morreu em em 1979

Para esse lugar em Minas Gerais você tinha o seguinte, uma característica que é marcante: todos os interrogatórios não eram feitos por militares. Os militares acompanhavam. Em SP era diferente. Os militares interrogavam, e o Dops acompanhava. Em São Paulo chegou ao ponto de a Oban invadir o Dops. Durante um certo tempo, quem controlou a repressão foi a PC, através do Dops. Na minha época, o Dops era muito forte, e os órgãos militares se encaixavam subordinadamente. O delegado Fleury9 tinha um grande poder, que perdeu depois para os militares. Em Minas Gerais eles trabalhavam em conjunto. Já no Rio de Janeiro estava completamente alijada a PC, era Marinha, Exército e Aeronáutica.

Em Minas, o processo de subordinação da PC pelo Exército não tinha se completado. Voltei para São Paulo em julho de 70. Fiquei em Juiz de Fora dois meses. Ao longo dos anos 70, ia e voltava na Oban. O repique. Eles tiravam a “teima” com a gente. Reviam processos. Funcionava como uma espécie de prova dos nove.

Muitas vezes aí, pelo menos lembro de uma vez, veio o pessoal de Minas Gerais me interrogar novamente. Eventualmente tinha ameaças, mas sempre tinha choques. A máquina estava ali.


O motivo do interrogatório foi o depoimento de uma pessoa de nome Antônio Pereira Matos10 (doc. 5, enviado pela requerente, folha 205) no qual alega que eu teria sido encarregada de ajudar os companheiros a expropriarem um carro. Pararam os mineiros de perguntar sobre o Ângelo e perguntaram sobre isso. E esses interrogatórios também aconteceram no Rio pelo pessoal de Minas.

O Matos fez esse depoimento no Dops de Minas Gerais. Até então, eu não tinha aparecido em nenhuma ação armada. Eles passam a acreditar na minha participação em algumas expropriações em bancos e de uma bomba no Sindicato dos Metalúrgicos. A suposição que estava por trás é que eu participei dessas ações.
No processo em andamento na auditoria, era que eu não participava de grupos armados.

O porquê dos interrogatórios, tanto no Rio, no quartel da Polícia do Exército, feitos por mineiros, é que estavam interessados a me condenar a uma pena mais alta. Geralmente, quando era interrogada sobre isso, tinha cariocas e paulistas, mas os mineiros é que comandavam. Respondia sobre Deus e sua época.

Dentro da Barão de Mesquita ninguém via ninguém. Havia um buraquinho na porta por onde se acendia cigarro. Na Oban as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas Gerais, sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei com a Terezinha11. Uma bomba foi jogada na nossa cela. Na ida e na vinda, todas as mulheres presas no [Presídio] Tiradentes sabiam que estava presa. Uma por exemplo, Maria Celeste Martins e Idoina de Souza Rangel12, de São Paulo. Em Minas Gerais estava sozinha, não via gente, era parte integrante da tortura.

Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não nos piores momentos. Minha mãe sabia que [eu] estava presa, mas eles não a deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha13, advogada, me viu em SP logo após a minha chegada em Minas. Hoje ela mora no Rio, posso contatá-la.

Em Minas Gerais fiquei só com a Terezinha, é a história da bomba. Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora. Nunca me levaram para Belo Horizonte. Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de Polícia do Exército, 4ª RM. Lá apareceu outra vez o Dops, que me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei esperando o julgamento lá dentro.

Um dia a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que entra uma bomba de gás lacrimogêneo, pois estavam treinando lá fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital. Tive o “prazer” de conhecer o comandante, general Sylvio Frota14, que posteriormente me colocara na lista dos infiltrados do poder público, me levando a perder emprego.

O general Sílvio Frota, em 77, colocou a mim e mais 96 funcionários públicos numa lista, tratando-os como perigosos, infiltrados na estrutura do governo brasileiro. Perdi meu emprego por causa dessa lista.

**O conflito regional e federal da repressão.

Você militava em Estados. Tive participação política em três Estados. Comecei em Minas, 90% da minha militância. No último ano, fiquei a metade no Rio e São Paulo. Mas investigada em três Estados. Formava um processo em Minas Gerais, outro em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.

Fui condenada nos três Estados. No Rio de Janeiro levei um ano e um mês por ter militado oito meses. Levei um ano em Minas por cinco anos de militância. Por que isso? Em São Paulo levei três meses e o resto todo. No Rio idem e em Minas Gerais idem, cumulativamente.

Recorri sobre isso e ganhei em São Paulo. Mas fui condenada por Minas Gerais e Rio de Janeiro. E tive mais de dez anos de direitos políticos cassados.

Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela. A gente sempre vai ser diferente.

No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos. Agora, ser mais novo tem uma desvantagem. O impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, mas a médio prazo, o efeito da gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos, o efeito é mais profundo. No entanto, é mais fácil aguentar no imediato.

Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri pela primeira vez que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando a minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente o resto da vida.

Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban. Pegaram um cara que disseram ser do Corpo de Bombeiros. Foi uma hemorragia no útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia.

Em Minas Gerais, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém, que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registro disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.

As marcas da tortura sou eu, fazem parte de mim.

Eu pertencia às seguintes organizações Colina, Polop, O… e VAR. A Polop deu Colina, VPR e POC.

Nada mais havendo a declarar, foi encerrado o depoimento.”

**anotações do escrevente

Fonte-Folha de S. Paulo

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Fórum da Verdade realiza encontro em Pinhais

O diretório municipal do Partido dos Trabalhadores em Pinhais realizou no dia 2 de junho, aos seus filiados, a apresentação do Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça. Coordenador do Fórum, Milton Alves, falou sobre os trabalhos, que incluem dar respaldo à Comissão da Verdade, criada para investigar as violações de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar. Explicou que o Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça é um canall para a mobilização da sociedade em busca de suas verdades. “Queremos ajudar a escrever a história das violações dos direitos humanos no Paraná, fazendo deste processo, ao mesmo tempo, um momento de debate e reflexão”, disse Alves.

 

O evento, que contou com a presença de 35 pessoas, fez parte do ciclo de debates que o diretório municipal do PT tem promovido em sua reunião mensal, proporcionando aos filiados e simpatizantes momentos de formação e de reflexão sobre temas da conjuntura local, estadual e nacional.

Fonte- Fórum

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Dilma foi monitorada pelo SNI durante governo Sarney

Documentos abertos agora ao público mostram que a presidente Dilma Rousseff foi monitorada não apenas durante a ditadura militar (1964-85), quando foi presa e torturada, mas em todo o governo de José Sarney (1985-90), hoje presidente do Senado.

Os papéis integram o chamado “Acervo da Ditadura”, do Arquivo Nacional, um conjunto de mais de oito milhões de páginas produzidas pelos órgãos de inteligência da ditadura e do governo Sarney sobre a vida de aproximadamente 308 mil pessoas, sindicatos e partidos.

Em pesquisa na base de dados do acervo, a Folha de S. Paulo identificou um total de 181 documentos com referências a Dilma, que começam em 1968, quando ainda era estudante universitária, e se estendem ao final dos anos 80.

Dezessete dos papéis foram produzidos durante o governo Sarney pelo SNI (Serviço Nacional de Informações).

Na fase pós-ditadura, o SNI apontava Dilma como parte de uma “infiltração comunista” em órgãos da prefeitura e do governo do Rio Grande do Sul, chamando a atenção para a sua passagem pelos grupos da esquerda armada VAR-Palmares e Colina.

Os relatórios registram a atuação de Dilma no movimento feminista que, segundo o SNI, buscava “a conscientização das massas, pretendida por facções esquerdistas que almejam o poder”.

O SNI também monitorou uma viagem de Dilma ao México e acompanhou comício que Dilma e Lula participaram contra a ampliação do mandato presidencial de Sarney, em 1988.

Ao integrar o secretariado de Alceu Collares (PDT) na Prefeitura de Porto Alegre, em 86, Dilma foi alvo de outro relatório. O SNI disse que a prefeitura tinha “infiltração” de pessoas “com registros de atividades subversivas”.

Relatórios do SNI da década de 70 sobre Dilma dizem respeito a uma suposta ligação com a JCR (Junta de Coordenação Revolucionária), grupo de esquerda armada. Dois relatórios dizem que ela se reuniu com membros da JCR. Um terceiro relatório de 79, porém, agora revelado, diz não ter encontrado comprovação dessa alegação.

Em 2011, Dilma negou ter mantido reuniões com membros da JCR ou mesmo conhecer a organização. Procurado ontem, o Planalto disse que não vai se manifestar.

A assessoria de Sarney disse que, em seu mandato na Presidência, ele havia ordenado ao SNI que não realizasse “levantamentos sobre a vida privada” de “nenhum brasileiro”. Disse ainda que não era informado sobre objetivos e resultados do SNI.

O acervo agora tornado público integra os chamados “dossiês pessoais” e só podia ser consultado por terceiros após autorização da pessoa.

Com a Lei de Acesso à Informação, o Arquivo deu prazo para as pessoas pedirem bloqueio aos seus dossiês. Ninguém, incluindo Dilma, se manifestou, o que tornou a liberação automática.

Fonte-Folha de S. Paulo

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Criado o Núcleo Maringaense do Fórum

Cerca de 150 pessoas estiveram presentes ao lançamento do Núcleo Maringaense do Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça, no dia 14 de julho, no auditório do Sinteemar. O ato, organizado por professores do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá, contou com a participação de inúmeras personalidades e entidades.
O debate foi aberto por um informe de um dos coordenadores do Fórum Paranaense, Roberto Salomão, sobre as atividades desenvolvidas até aqui e os desafios do próximo período. A seguir, o reitor da UEM, Júlio Santiago Prates Filho, elogiou a iniciativa e falou sobre o papel da universidade na luta pelos direitos humanos.

Na sequência, o professor Reginaldo Benedito Dias fez uma exposição sobre a luta de décadas dos movimentos sociais e de direitos humanos para esclarecer a verdade acerca dos militantes presos, perseguidos, exilados, torturados, mortos ou desaparecidos. De acordo com Dias, ainda há famílias em Maringá que não sabem em que condições seus parentes foram mortos. “As mortes eram divulgadas com toda a sorte de falsificações”, conta o professor.
O professor Ângelo Priori falou a seguir sobre a abertura dos arquivos do regime militar. Para o professor, “se a comissão conseguir localizar os restos mortais dos desaparecidos durante o regime e esclarecer os motivos dessas mortes, já será um passo muito importante”.

O núcleo faz parte de uma rede paranaense, que tem como objetivo influenciar o debate nacional da Comissão da Verdade, criada pela presidente Dilma Rousseff (PT) para investigar os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar (1964-85). A rede deve avaliar, dar opiniões e repercutir os trabalhos da comissão, além de promover debates com a sociedade.

“O Núcleo Maringaense do Fórum nasce com força e qualidade. Será, com certeza, um ponto de apoio importantíssimo na luta para esclarecer as violações dos direitos humanos ocorridas no Paraná”, diz Roberto Salomão.

Os laboratórios de Pesquisa em História Política e Movimentos Sociais (Lappom) e de Estudos do Tempo Presente (Labtempo) da UEM têm vasto material sobre o tema. Teses e dissertações estão disponíveis no site www.pph.uem.br. Segundo um dos coordenadores do núcleo, o professor Ângelo Priori, agora, com a comissão, serão abertas novas possibilidades de pesquisa. “Muitos arquivos que antes não eram abertos para os historiadores virão à tona, possibilitando ampliar os trabalhos e debates”, conta. Também coordenam o núcleo os professores Sidnei José Munhoz e Reginaldo Benedito Dias.

Fonte- Fórum

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O Fórum de Resgate da Verdade, da Memória e da Justiça


Reginaldo Benedito Dias*
Nas festas de Natal, quando a família se reunia, a mãe deixava aberta a porta principal da casa. Contra todas as evidências, mantinha a esperança de que um filho, que não dava notícias havia muito tempo, entrasse e comemorasse a data com os pais e os irmãos.

Essa não é uma fábula criada para ilustrar este artigo. Trata-se da vivência da mãe de um dos muitos opositores que o aparato repressivo da ditadura militar abateu nos chamados anos de chumbo. O corpo havia sido sepultado clandestinamente. Soube-se que a ordem era de que fosse “enterrado como um porco”.
Somente duas décadas depois, a família conseguiu localizar e identificar os restos mortais e promover um sepultamente digno, elaborando o fechamento do luto. Quase vinte anos depois do sepultamente, entretanto, a família ainda desconhece as reais condições em que ocorreu a morte, visto que os fatos foram visivelmente falsificados na época.
Esse é, resumidamente, o drama que viveu e ainda vive a família de Arno Preis, abatido em 1972. Quem quiser conhecer melhor o caso pode ter acesso, no Programa de Pós-Graduação de História da UEM, a uma dissertação de mestrado, desenvolvida sob minha orientação, de autoria da historiadora Elaine Bogo Pavani.
Casos assim ilustram muito bem a necessidade da Comissão Nacional da Verdade, recentemente instituída e nomeada pela Presidenta Dilma Roussef. Demonstram também porque pesquisadores do Departamento de História da UEM, reunidos no Laboratório de Estudos do Tempo Presente e Laboratório de Pesquisa em História Política e Movimentos Sociais, tomaram a iniciativa de articular um núcleo regional do Fórum Paranaense em Resgate da Verdade, da Memória e Justiça. No âmbito da UEM, a iniciativa teve adesão de pesquisadores do Departamento de Psicologia, das entidades estudantis e sindicais e apoio da Reitoria.

“ Trata-se de uma forma de engajamento em favor da cidadania e da construção de um país democrático”   

A Comissão Nacional da Verdade é uma demanda antiga da sociedade brasileira. O debate sobre as mortes e desaparecimentos políticos ocorridos durante a ditadura militar foi impulsionado, na primeira metade da década de 1970, pela organização de grupos de familiares, interessados em denunciar a tortura ou o desaparecimento de seus entes queridos. Esse engajamento foi reforçado pela Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica e pela  formação de organizações em favor da anistia. Em 1978, o I Congresso Brasileiro da Anistia consagrou o termo “desaparecidos” como referência aos “militantes políticos cuja prisão, sequestro ou morte não foram reconhecidos pelo governo”.
Entretanto, em vez de dar solução à pauta, a Lei da Anistia exigiu novos embates. Para os movimentos organizados em torno dessa bandeira, tal como a lei foi elaborada e promulgada, “a anistia política representou, na verdade, uma autoanistia para os envolvidos nas ações repressivas após o golpe de 1964”.
Sob impulso da ação dos movimentos de familiares, foi elaborado o Dossiê dos Mortos e Desaparecidos, publicado em 1984. Atualizado e reeditado, subsidiou o avanço da luta política, da legislação e dos direitos relacionados. Como o estado mantinha opacidade sobre os arquivos, a sociedade organizada demonstrou capacidade de ultrapassar certos limites. Exemplo emblemático foi o projeto “Brasil: nunca mais”, desenvolvido silenciosamente nas brechas do processo de abertura política.
Nessas décadas que separam a atual conjuntura do advento da Lei da Anistia, graças aos movimentos pelos direitos humanos e mobilização dos familiares e ex-militantes, algumas medidas alargaram a legislação. Um exemplo é a Lei nº140/95, por meio da qual o Estado finalmente reconheceu sua responsabilidade na morte de opositores políticos em período determinado (1961-1979). Persistem, não obstante, muitos obstáculos à busca da verdade. Daí a necessidade da ampla transparência dos arquivos do período, incluindo os militares.
Não devemos entender tais demandas como assuntos de família. Por um lado, incidem sobre o passivo das violações aos direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro no período da ditadura. Por outro, pautam temas relacionados ao esclarecimento de fatos históricos de nosso passado recente.
Nosso envolvimento é cidadão e acadêmico. Nossos laboratórios têm desenvolvido pesquisas relacionadas ao período, abordando casos como o citado no início e ainda a questão dos arquivos da repressão. Com espírito pluralista, assim como colegas de outras instituições, temos produzido conhecimento e elaborado reflexões sobre esse conjunto de temas. Pretendemos aprofundar esse vínculo e participar do debate. Entendemos que se trata de uma forma de engajamento em favor da cidadania e da construção de um país democrático. É a nossa história!  É o nosso País!

 

*Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História
Doutor em História e Sociedade pela Unesp – Assis

Fonte-INFORMATIVO UEM ANO XXII, – n. 1005, 20 de junho de 2012

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