Coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso diz que possibilidade de volta do ex-ministro Claudio Fontelles, que renunciou ao cargo de presidente do grupo, “tem que ser avaliada” pela presidente Dilma e que tem que haver uma “descentralização grande” dos trabalhos; colocada como opositora de Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa diz que essa “não tem que ser uma comissão de notáveis”
A formação da Comissão Nacional da Verdade está rachada ao meio, com a coordenadora Rosa Cardoso de um lado, e de outro, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, que tem três apoiadores. Com a saída do ex-ministro Cláudio Fontelles, que renunciou à presidência do grupo, Rosa ficou sozinha. Mas recebe o importante apoio das entidades em defesa dos direitos humanos e familiares de vítimas da ditadura militar (entenda o conflito).
Em uma entrevista concedida ao site Palavra Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, Rosa Cardoso comenta uma carta aberta divulgada por familiares e movimentos exigindo mudanças na Comissão, pedindo a volta de Fontelles e declarando apoio à coordenadora. Ela, por sua vez, diz que “jamais interpretaria isso como uma vitória minha, pessoal”. A advogada declara ainda na entrevista que essa “não tem que ser uma comissão de notáveis” e lembra que o dever é “que nós cumpramos esse trabalho, essa missão”.
Leia abaixo a íntegra da conversa:
Em entrevista concedida, por telefone, na noite dessa terça-feira (16), ao Conversa Afiada, Maria Rosa Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, comentou a carta aberta de familiares de vítimas do regime militar, que pediam a reintegração de Claudio Fontelles.
Rosa Cardoso considera que a recondução de Fontelles deve ser apreciada o quanto antes pela presidente Dilma Rousseff.
Assim como a substituição do ministro Gilson Dipp, que se afastou da Comissão este ano por motivos de saúde.
Segundo Rosa Cardoso, a ausência de dois comissários prejudica muito o trabalho da Comissão.
Inclusive, a CNV, deve de agora em diante, se abrir a participação a agentes externos – que ela chama de “embaixadores”.
A seguir, a integra da entrevista:
1- PHA: Dra. Rosa, o jornal O Globo dessa terça-feira (16), publica uma carta aberta dos familiares de vítimas do regime militar pedindo que o dr. Cláudio Fontelles volte para Comissão da Verdade. Existe essa possibilidade?
Essa possibilidade tem que ser avaliada – e deve ser, eu imagino, rapidamente – pela Presidente da República.
Claro que nós sabemos que a Presidente teve que dar prioridade a revindicações mais amplas, feitas hoje pela sociedade brasileira através de um processo de manifestações sucessivas.
Eu acho que ela não pôde ainda refletir sobre a apresentação dessa renúncia do comissário Cláudio Fontelles. Mas creio que isso vai ser deliberado muito rapidamente por ela, agora nesse intervalo que nós estamos tendo hoje na sociedade com essas manifestações.
2 – PHA: Dra. Rosa, nós temos hoje duas vagas abertas, pelo menos do ponto de vista formal: a do dr. Fontelles e a do ministro Gilson Dipp. Embora haja outros comissários, que a gente sabe, são de frequência muito rara às reuniões da Comissão. Eu lhe pergunto: como é possível exercer esse trabalho com dois comissários a menos?
Rosa Cardoso: Esse trabalho ele é muito amplo, tem um carácter nacional, num país que tem as dimensões do Brasil. Em outros países menores da América do Sul esse trabalho foi feito por um conjunto muito maior de pessoas.
Essas duas pessoas estão fazendo muita falta. Eu preciso realmente que a presidente Dilma faça essa escolha rapidamente, mas não é só isso.
Nós precisamos criar no interior da Comissão um processo de delegação, um processo de constituição de verdadeiros embaixadores nossos, que possam dividir conosco esse trabalho. Porque sem uma descentralização grande (o trabalho) não vai poder, efetivamente, ser realizado.
Nós precisamos não somente dos assessores que nós temos na Comissão, mas nós precisamos de um conjunto de pesquisadores que nos auxiliem na investigação de documentos, que hoje é uma massa monumental, muito grande.
Claro que nós preferiríamos que ela fosse mais qualificada, nós preferiríamos ter os documentos que não foram até agora desclassificados pelo governo americano (desclassificados da categoria de secreto e ultrassecreto).
Nós pedimos esses documentos, mas não recebemos. Certamente, ali teríamos um material muito interessante para as nossas pesquisas, para desvendar questões, mas não temos esse material.
Mas nós temos um material muito grande, de outras procedências, acervos que estavam inclusive em órgãos públicos. Precisamos de muitos pesquisadores para examinar essa documentação.
Precisamos de muitas pessoas para irem aos Estados, fazerem audiências com vítimas.
Inclusive, para que nós da Comissão possamos nos concentrar em audiências com grandes violadores. Os grandes violadores e os financiadores – clique aqui para ler sobre o “PIB da tortura – o que sabe Paulo Sawaya ?” – PHA – desse grande processo que nós vivemos que foi a ditadura civil militar.
3 – PHA: Quem seriam esses embaixadores? Não seriam comissários? Seriam pessoas de outra natureza?
Rosa Cardoso: Podem ser vítimas, familiares, membros de Comissões da Verdade estruturadas nos Estados, pessoas que pertençam a comitês.
Enfim, nós vamos fazer uma seleção dessas pessoas.
Nós já convocamos, inclusive, algumas pessoas que pertencem a grupos que trabalham com a Comissão da Verdade para pensar conosco um plano de descentralização dessas nossas tarefas.
Isso é uma discussão recente, que surgiu nessa semana, é uma novidade a partir de todos esses impasses que nós temos vivido.
É natural, é normal, que familiares das vítimas, os comitês, os interessados na existência dessa Comissão da Verdade façam críticas, apresentem revindicações e demandas.
É uma oportunidade única, isso tem que ser bem digerido por nós, resolvido, solucionado e superado.
Mas, enquanto isso, nós temos que trabalhar. Então, há duas medidas que foram deliberados ontem ( segunda feira) em reunião – nessa reunião em que foi levada essa carta (dos familiares das vitimas).
Enquanto se pensa o que fazer sobre todas essas questões – e nessa sequência de manifestos, manifestações, cartas em torno de princípios que a Comissão da Verdade deve ter, e pelos quais deve se pautar – nós precisamos trabalhar. E o que nós decidimos é trazer para o grande debate, para o escrutínio público, as questões de metas, resultados e o material que temos e submeter tudo isso a crítica de vítimas e familiares.
4 – PHA: Eu devo entender então – pela sua descrição dessas deliberações tomadas agora – que, segundo o depoimento do jornalista Luiz Claudio Cunha havia uma divergência central entre a sua posição e a do comissário Paulo Sérgio Pinheiro. A senhora querendo abrir, e ele querendo fechar. Eu posso entender então que venceu a ideia de abrir o trabalho da Comissão?
Rosa Cardoso: Não, eu não faria pessoalmente essa interpretação. Eu deixo essa interpretação à crítica, aos jornalistas, à mídia que tem participado tanto desse processo.
Eu jamais interpretaria isso como uma vitória minha, pessoal.
Eu entenderia isso como uma coincidência de valores que eu estou tendo com o sentimento de democracia que explode nas ruas.
Eu acho que a Comissão da Verdade não é somente uma Comissão para recuperar um passado de brutalidade e censura.
Mas, é uma Comissão que tem que estar profundamente preocupada com a Democracia em um país que não transita hoje de um Autoritarismo para uma Democracia, mas de uma Democracia restrita para uma mais ampla.
Nós estamos afinados com essa visão de que precisamos de mais Democracia, de valores mais plebeus até.
Nossa Comissão não tem que ser uma comissão de notáveis, guiados pela ideia de que isso é um reconhecimento pela sua atuação anterior, ou é uma forma de ganharem reconhecimento. Mas que nós cumpramos esse trabalho, essa missão. Porque ela é mesmo muito densa, e precisa de muita ciência e dedicação, é isso o que está sendo pedido hoje de nós.
5 – PHA: E transparência!
Rosa Cardoso: Transparência, com certeza.
6 – PHA: Então, doutora, eu vou me dar o direito interpretar essa entrevista de uma maneira que talvez não a surpreenda.
Rosa Cardoso: Eu gosto muito de ser surpreendida.
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