As Forças Armadas admitiram, pela primeira vez, a ocorrência de violação de direitos humanos no período da ditadura militar. Em ofício encaminhado à Comissão Nacional da Verdade, na última sexta-feira,19, o ministro da Defesa, Celso Amorim, depois de consultar os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, afirmou que os militares “não se contrapõem” ao reconhecimento da responsabilidade do Estado pela ocorrência dessas violações naquele período. A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, criada em 1995, e a Comissão de Anistia, de 2002, ambas do governo, reconhecem a culpa do Estado e indenizam familiares de mortos e ex-perseguidos.
O ofício enviado por Amorim foi uma resposta a um questionamento feito pela comissão em agosto. O grupo pediu esclarecimentos sobre as sindicâncias das três forças, que concluíram não terem ocorrido torturas e mortes nas dependências militares. No pedido, a Comissão da Verdade perguntou se os militares negavam essas violações, apesar de já existir o reconhecimento oficial do Estado.
Ao repassar os questionamentos da comissão aos três comandantes, Amorim manifestou sua posição e afirmou aos chefes militares que reconheceria a culpa do Estado e a existência das “lamentáveis” violações de direitos humanos. E lembrou que o Ministério da Defesa é parte do Estado. “Desde já, considero oportuno esclarecer que tenciono consignar, em minha manifestação à CNV, que o ordenamento normativo reconheceu a responsabilidade do Estado pela morte e desaparecimento de pessoas durante o regime militar”, informou Amorim aos comandantes.
Nos seus posicionamentos, os comandantes, cada um a seu modo, não negaram a culpa do Estado e, por consequência, a ocorrência de violações por seus pares na ditadura. Os comandantes Juniti Saito (Aeronáutica), Enzo Peri (Exército) e Carlos Augusto de Souza (comandante interino da Marinha), porém, mantiveram o conteúdo de suas sindicâncias de que não localizaram informações que comprovem a prática das torturas nas unidades militares.
No pedido a Amorim feito em agosto, a Comissão acusou os militares de, ao negarem torturas e mortes, terem sido omissos e ignorarem a responsabilidade assumida pelo Estado com a criação das duas comissões. No pedido ao Ministério da Defesa, a Comissão listou nomes de 24 opositores do regime militar que foram vítimas de tortura em sete instalações militares das três forças no Rio, São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais.
Avanço relativo
O advogado Marco Antônio Barbosa, que presidiu a Comissão de Mortos e Desaparecidos por oito anos, considerou a resposta dos militares à Comissão da Verdade o reconhecimento de algo que já é público e notório, mas considerou um avanço. Ele defende a punição dos militares que praticaram esses atos naqueles anos.
Crimeia de Almeida, de 68 anos, viúva de André Grabois, desaparecido durante a Guerrilha do Araguaia e integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, definiu como ridículo o reconhecimento. A antiga guerrilheira lembrou que, em 1975, uma carta dos presos políticos enviada ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil já denunciava as torturas e os nomes dos torturadores e até as comunidades internacionais já sabiam o que o ministro da Defesa, Celso Amorim, informou.
Filha do ex-deputado Rubens Paiva, cujo corpo nunca foi encontrado, Vera Paiva disse que há tempos essa resposta era esperada. “Ainda bem que o ministro exigiu uma resposta. Foi corajoso. Estávamos aguardando isso, o acesso e o reconhecimento da verdade. Agora, que eles nos ajudem a esclarecer essas mortes e, principalmente, contribuam a mudar a cultura na formação de novos oficiais para o espírito democrático”, disse Vera.
Fonte- Agência O Globo
Siga-nos!