também foi Maria Neide. Teve três nomes. Tem duas idades. Declarada hoje (24) anistiada política, ela disse que agora poderá juntar as partes em que foi dividida durante a ditadura. “Nesses anos, tive a sensação de ser uma pessoa em pedaços. Em pedaços que não podiam ser juntados publicamente”, afirmou, durante a 76ª sessão da Caravana da Anistia, realizada na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo. Ela adotou definitivamente o nome usado na clandestinidade, repassado aos filhos. “Minha mãe teve a coragem de me registrar como sendo uma outra filha.” E contou que sempre teve dificuldade de guardar a própria data de nascimento (a “não original”), o que provocava constrangimento e medo de ser descoberta.
Em abril de 1969, ela era chargista do jornal O Popular, de Goiânia, que foi fechado pela polícia. No mesmo período, foi expulsa da Faculdade de Artes da Universidade Federal de Goiás e enquadrada no Decreto 477, um dos primeiros instrumentos da ditadura pós AI-5, que definia “infrações disciplinadores” de professores, alunos e funcionários de instituições de ensino. Chegou a ser sequestrada em sua casa por agentes do Dops.
Mudou-se para São Paulo, trabalhou no Itaú até final de 1971, como digitadora de dados, mas foi enquadrada no caso de abandono de emprego ao passar para a clandestinidade, receando ser presa. Andar pela cidade hoje lhe deu outra sensação – antes, era um símbolo do medo. “É um dia histórico na minha vida. Pela primeira vez, não tive medo de caminhar. E achei a cidade linda. Hoje, depois de ter saído na rua e ter achado São Paulo bonita, pensei que vale a pena falar”, disse Maria, emocionada. “Finalmente posso fundir essas três identidades.”
Para o secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, trata-se de um caso inédito. “Com a maioria das pessoas tivemos de fazer o contrário, (mostrar) que aquela identidade clandestina se referia ao sujeito do presente.”
Outro anistiado na sessão de hoje, o advogado Aton Fon Filho, militante de movimentos de direitos humanos, homenageou o Levante Popular da Juventude durante a 76ª sessão da Caravana da Anistia, realizada em São Paulo. “Quando eu era jovem, queria a mão do velho. Agora que sou velho, quero a mão do jovem. Quero ir pela mão deles até o fim da minha vida”, afirmou, homenageando ainda seu irmão, o jornalista Antonio Carlos Fon, e o militante Gregório Bezerra. “Queria ser capaz de envelhecer como ele, de cabeça erguida, mesmo sendo arrastado como um animal.” O líder comunista foi preso logo após o golpe de 1964 e arrastado pelas ruas de Recife.
Militante do PCB, ele passou para a Ação Libertadora Nacional (ALN) de Carlos Marighella. Trabalhava como vendedor de livros e, “por determinação dos meus comandantes”, entrou no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). “É importante dizer que conheci oficiais que repudiavam a violência oficial, a tortura, a repressão”, lembra Aton. Sua farda de aspirante fez parte dos objetos apreendidos quando ele foi capturado. Passou praticamente dez anos na prisão, de dezembro de 1969 a novembro de 1979, ano da Lei de Anistia, que não o beneficiou – ele foi anistiado apenas na 1985, no período de convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
O terceiro caso julgado foi o do jornalista Oldack de Miranda, que aderiu à Ação Popular (AP), morou anonimamente em favelas e teve dois surtos de malária em São Luís, além de uma internação como indigente. Das várias prisões, sofreu tortura na sede do Doi-Codi em Recife. Ele ainda se comove ao falar de Gildo Macedo Lacerda, com quem foi preso em outubro de 1973 pela Polícia Federal em Salvador. Gildo foi morto, e seu corpo nunca mais apareceu. Amanhã, às 14h, a Comissão da Verdade de São Paulo fará uma sessão em homenagem a Gildo, na Assembleia Legislativa.
Oldack é irmão do deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos. Membro da Comissão de Anistia, Nilmário declarou-se impedido de votar nesse caso.
Convergência
A Comissão fará sua 77ª sessão justamente amanhã, no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em São Paulo. Serão julgados, de forma coletiva, 26 casos de militantes da antiga Convergência Socialista.
Fonte- Rede Brasil Atual
Siga-nos!