Nos três meses em que atuou como coordenadora da Comissão da Verdade, a advogada Rosa Maria Cardoso alterou o ritmo e o rumo dos trabalhos. Ela deu mais voz para os grupos de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, reduziu o número de sessões fechadas e nomeou um novo secretário executivo. Paralelamente, apoiou manifestações favoráveis à reinterpretação da Lei da Anistia, oferecendo combustível a uma campanha cujo objetivo é abrir caminho para que agentes públicos que cometeram violações na ditadura sejam julgados. As posições da advogada acirraram as divergências no grupo. Nunca o mal-estar interno foi tão intenso. Às vésperas de entregar o cargo, ela falou ao Estado.
A comissão é a chance que eles têm de ver sua história contada. Sem participação efetiva dos interessados, o relatório final será diferente do que eles querem.
E o que eles querem?
Não querem o relatório de um historiador. Querem a história contada por eles. No mundo inteiro tem sido assim: os relatórios retratam graves violações de direitos humanos. Foi por isso que ampliei o número de pessoas que sentam à mesa, que abri novas possibilidades de vítimas e familiares participarem das investigações.
Vítimas e familiares devem participar do relatório final?
As pessoas estão cobrando que seja dessa forma e eu acho que o caminho não tem retorno. As vítimas, os familiares, os militantes de direitos humanos, os estudantes, comissões estaduais, grupos de apoio, todos têm condições de participar.
A visão era mais acadêmica antes de sua coordenação?
Tendia a ser. O relatório final merece uma composição a muitas mãos, com gente da academia, jornalistas, militantes.
A comissão tem 7 membros, mas atua com cinco. Atrapalha?
É muito ruim. Se estivesse com mais gente, a comissão poderia ter viajado mais. Ainda demos pouca atenção aos Estados do Norte e Nordeste.
A senhora conhece o motivo da demora nas nomeações pela presidente Dilma Rousseff?
Não. Penso que ela ficou muito envolvida com as manifestações de junho e, depois, com a visita do papa. Agora imagino que ela está dando um tempo para ver como a comissão resolve seus problemas.
Seu sucessor na coordenação, José Carlos Dias, não defende a reinterpretação da Anistia. Isso causa alguma resistência a ele?
Nenhuma. Os outros membros se dão bem com ele. Não há confronto. Ele é polido, equilibrado. Não é um destemperado.
A relação com as Forças Armadas ainda é delicada?
Completamente. Na verdade eles jamais acreditaram que a comissão fosse uma forma de estancar o debate (sobre a Anistia). Nas Forças Armadas também há muita gente capaz de compreender que, no caso de alguém que agrediu seu filho, arrancou um pedaço dele, é justo que seja submetido a Justiça.
A senhora já deixou claro que é favorável à judicialização.
Fonte- O Estado de S. Paulo
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