Felipe Canêdo
Publicação: 20/04/2013 06:00 Atualização: 20/04/2013 07:22
Uma das passagens mais dramáticas descritas pelo procurador Jader de Figueiredo Correia em 1968 é a que narra sua passagem por Guarita, no Rio Grande do Sul, área da 7ª Inspetoria do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), quando ele se deparou com duas crianças indígenas em péssimo estado de saúde. “Em Guarita (IR-7-RGS), seguindo uma família que se escondia, fomos encontrar duas criancinhas sob uma moita tendo as cabecinhas quase completamente apodrecidas de horrorosos tumores, provocados pelo berne, parasita bovino”, ele escreveu no documento que entraria para a história com seu nome: Relatório Figueiredo. Sua expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros investigando violações de direitos humanos em 130 postos indígenas.
Divisor de águas
A coordenadora do núcleo da Comissão Nacional da Verdade responsável pela investigação de violações de direitos relacionados à luta pela terra, Maria Rita Kehl, aponta o Relatório Figueiredo como um divisor de águas nas políticas indigenistas do país. “Depois do relatório, o SPI foi extinto e foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai). Não sei dizer se essa mudança de gestão já preparava terreno para um grande momento de políticas desenvolvimentistas na Amazônia do final da década de 1970, que foi um momento de massacres sistemáticos de índios pior ainda”, ela pondera. Segundo a psicanalista, a comissão aguarda a conclusão da digitalização e recuperação do acervo do Relatório Figueiredo para recebê-lo e só então começar a investigá-lo.
“Eu não posso falar sobre o relatório porque ainda não o conheço, mas é um documento oficial importante. Posso adiantar que é impossível pesquisar todas as acusações contidas nele. A gente não tem como investigar casos sobre um funcionário que agrediu um índio, por exemplo. O que a gente tem queprocurar são as grandes violações, matanças de tribos. O nosso trabalho é gigantesco”, argumenta. Sobre a lista de acusados apresentada no inquérito, com crimes elencados para cada nome, ela também joga água fria nas expectativas de que sejam todos apurados. Maria Rita faz uma ressalva também para as motivações políticas e brigas internas do SPI contidas no relatório.
Mesmo assim, ela considera fundamental que as violações de direitos humanos de índios e camponeses durante a ditadura sejam esclarecidas, já que “muita gente ainda acha que quem foi morto ou torturado pelo regime era terrorista. Isso é uma coisa que os militares espalharam. E não é verdade. Muita gente foi morta em nome de um projeto”. Ela acrescenta que os índios não sabiam quem estava governando, se era uma ditadura. “Eles sabiam que os caras de botas pretas chegavam – como são descritos em relatórios – e aí matavam, ou maltratavam”, afirma.
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