Cidade da Argentina recusa corpo de Videla

Ele era o “senhor da vida e da morte” quando governava a Argentina e definia o destino de civis sequestrados, torturados e assassinados durante o regime militar. Mas, depois de morto, Jorge Rafael Videla não consegue um lugar para ser enterrado. Em sua cidade natal, Mercedes, na Província de Buenos Aires, moradores se uniram para evitar que seus restos mortais fossem levados para o cemitério local.
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Em protesto contra um eventual funeral, a secretaria de direitos humanos do município colocou placas nos portões do cemitério com os nomes dos 22 desaparecidos da ditadura que eram da cidade.

O corpo do ex-ditador foi liberado ontem pelo Instituto Médico Legal de Buenos Aires. No fim de semana, um documento do serviço penitenciário revelou que Videla, morreu sentado no vaso sanitário de sua cela na manhã de sexta-feira.

Na véspera, havia sofrido uma queda enquanto tomava banho. O acidente, somado ao fato que de o ex-militar tomar um remédio anticoagulante, causou uma hemorragia interna que acabaria por provocar sua morte.

A família do ex-ditador informou às autoridades que o corpo não será cremado e contratou uma agência funerária de Mercedes, o que aumentou a possibilidade de o funeral ocorrer no cemitério local, onde estão enterrados seus pais.

Hoje, vários partidos políticos de Mercedes farão um protesto na praça principal para repudiar a ditadura.

A tradição fúnebre argentina, especialmente no interior do país, é a de enterrar os mortos no mausoléu familiar. Ou, como alternativa, em um túmulo próximo ao dos pais e parentes. Na Câmara de Vereadores, representantes dos partidos afirmam que não querem que o corpo de Videla altere a calma da cidade. José Luis Pisano, do Partido Socialista, disse que não deseja que Mercedes “transforme-se em um ponto de peregrinação da direita fascista e menos ainda que ele seja enterrado ao lado de companheiros que perderam a vida durante a ditadura”.

As autoridades admitem que, apesar de repudiar Videla, não podem proibir que a família o enterre na cidade. “A família possui um mausoléu e túmulos privados. Não está dentro de nosso alcance impedir esse enterro”, afirmou o secretário de direitos humanos de Mercedes, Marcelo Melo. Ativistas dos direitos humanos afirmam que Videla, ao esconder os corpos de desaparecidos, impediu que seus parentes chorassem seus mortos diante de seus túmulos. “Não podemos fazer a mesma coisa que ele fez com os 30 mil desaparecidos”, disse Diana Manos, da Comissão de Parentes de Presos e Desaparecidos de Mercedes.

Dois dos nomes nas placas diante do cemitério – Ignácio e Esteban Ojea Quintana – têm um vínculo especial com Videla: eram seus sobrinhos, detidos pela Marinha em 1977 por serem militantes da esquerda. O tio nada fez para salvá-los da morte. Seus corpos nunca foram localizados.

Outro nome nas placas é o de Carlos Agosti, sobrinho do brigadeiro Orlando Agosti, chefe da Aeronáutica e integrante da junta militar liderada por Videla. Carlos foi sequestrado e assassinado em dezembro de 1976. Seu corpo está enterrado a poucos metros do mausoléu da família Videla.

O ditador viveu rodeado pela morte. Ele foi batizado como “Jorge Rafael” em homenagem a dois irmãos gêmeos mais velhos – Jorge e Rafael – que morreram de sarampo em 1923. A poucos metros do mausoléu da família Videla estão enterrados três padres assassinados em 1976 por ordem da ditadura.

 

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