Comissão da Verdade acusa Marinha de ocultar da Presidência documentos de vítimas da ditadura

Criada para investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou nesta terça-feira documentos secretos e ultrassecretos que comprovam que o alto comando da Marinha produziu relatórios sobre a morte de guerrilheiros e de pessoas contrárias ao regime militar. Ao longo de cerca de 12.000 páginas, o Centro de Informações da Marinha (Cenimar) relatou em detalhes informações sobre as mortes de onze pessoas no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e na Guerrilha do Araguaia. De posse dos dados, sonegados ao longo dos anos pelas Forças Armadas, ganhou corpo dentro da comissão o entendimento de que a Lei da Anistia, editada em 1979, precisa ser revista.

Em dezembro de 2010

Marinha tinha conhecimento da morte do paranaense Antonio do Três Reis Oliveira.

Marinha tinha conhecimento da morte do paranaense Antonio do Três Reis Oliveira, acusa CVN.

, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o governo brasileiro por não ter trabalhado pela localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia e por não ter punido os responsáveis. A sentença de condenação, que também inclui a aplicação de multas, extrapola, porém, o caso do Araguaia. O colegiado também decidiu que a Lei da Anistia não poderia servir como argumento para impedir a investigação e a punição de responsáveis por violações aos direitos humanos. Hoje, a Corte monitora as providências tomadas pelo governo brasileiro. A instalação da CNV e a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, por exemplo, são consideradas apenas “instrumentos colaterais”.

“Os crimes de lesam a humanidade são imprescritíveis”, defendeu a coordenadora da comissão, Rosa Cardoso. “As auto-anistias, diante do direito internacional, não valem. Vamos ter, sim, de recomendar que esses casos sejam judicializados pelo direito interno”, completou.

O impasse na dis

cu

ssão sobre a possível revisão da Lei da Anistia no Brasil esbarra, porém, no fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter de

cidido em plenário, em abril de 2010, que não é possível rever a legislação que garantiu o perdão dado aos representantes do estado acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar. Dois recursos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no entanto, ainda estão pendentes de votação no plenário do STF.

Marinha – No balanço do primeiro ano de trabalho da CNV, um levantamento parcial do colegiado aponta que a Marinha brasileira tinha conhecimento, no ano de 1972, da morte de onze desaparecidos políticos (Antonio Carlos Monteiro Teixeira,

Antonio dos Três Reis de Oliveira, Ciro Flávio Salazar de Oliveira, Ezequias Bezerra da Rocha, Felix Escobar, Helenira Rezende, Isis Dias de Oliveira, Joel Vasconcelos dos Santos, José Gomes Teixeira, Kleber Lemos da Silva e Rubens Paiva).

Ainda assim, em 1993, em ofício encaminhado ao então ministro da Justiça, Maurício Correa, a Marinha apresentou diversas versões sobre o destino dos desaparecidos, alegando ora que estavam foragidos, ora que estavam com o paradeiro desconhecido. “As Forças Armadas mancharam suas honras com essas práticas”, resumiu a psicanalista Maria Rita Kehl, que integra a comissão.

A reticência das Forças Armadas na divulgação de informações sobre o regime militar é recorrente. Após o episódio envolvendo o ex-ministro Maurício Correa, relatado nesta terça-feira pela Comissão da Verdade, o Ministério da Defesa, por exemplo, encaminhou formalmente ao colegiado, no ano passado, a informação, constatada inverídica pelos integrantes da comissão, de que Exército, Marinha e Aeronáutica não tinham mais documentos do período militar em seus acervos. Conforme o Aviso 195, encaminhado à Casa Civil em 2010 pelo então ministro Nelson Jobim, os arquivos das Forças Armadas já haviam sido destruídos.

“A Marinha ocultou deliberadamente informações e documentos do estado brasileiro. Ocultou da Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Câmara dos Deputados”, informou Heloisa Starling, pesquisadora do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e assessora da Comissão da Verdade.

“De todos os serviços secretos militares, o da Marinha é o mais fechado. A cultura do segredo é levada às ultimas consequências. O Cenimar foi um dos organismos mais ferozes no interior da estrutura de repressão da ditadura. Havia um prontuário de pessoas mortas que a Marinha brasileira sabia que estavam mortas”, completou Heloisa.

Tortura – De acordo com as conclusões da Comissão da Verdade, sessões de tortura no Brasil se tornaram uma prática corriqueira em interrogatórios. “A tortura é a base da matriz de repressão da ditadura. A tortura está na origem da ditadura, antes do início da luta armada”, disse Heloisa Starling. Até o momento, já foram identificados pela comissão mapas dos centros de detenção e tortura no Brasil entre 1964 e 1965 nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Goiás.

Conforme levantamento da comissão, os modos de tortura utilizada até o fim da ditadura foram essencialmente de nove tipos: pau de arara (barra de ferro atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, pelos quais o torturado é suspenso de ponta-cabeça e cerca de 30 centímetros do solo); afogamento, banho chinês (tipo de afogamento com introdução forçada da cabeça do torturado em um barril de água ou óleo), choque elétrico, churrasquinho (papel retorcido colocado no ânus do torturado), geladeira (o torturado permanece nu em uma sala pequena que os impede de ficar de pé, e a temperatura oscila entre o frio extremo e o calor insuportável), soro da verdade (injeção de drogas psicoativas que reduziam barreiras inibitórias e facilitava revelações em depoimentos), telefone (golpes simultâneos na lateral da cabeça para afetar os tímpanos) e torturas psicológicas.

 

Nome Documento de 1972 Documento de 1993
Antonio Carlos Monteiro Teixeira Morto Não mencionado
Antonio dos Três Reis de Oliveira Morto Desaparecido
Ciro Flávio Salazar de Oliveira Morto Não mencionado
Ezequias Bezerra Rocha Morto Desaparecido (cita o jornal O Globo)
Félix Escobar Morto Preso por atividades terroristas
Helenira Rezende de Souza Nazareth Morta Foragida
Isis Dias de Oliveira Morta Foragida
Joel Vasconcelos dos Santos Morto Preso e transferido para local ignorado
José Gomes Teixeira Morto Desaparecido
Kléber Lemos da Silva Morto Não mencionado
Rubens Paiva Morto Foragido

 

Fonte- Agências

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