Comissão da Verdade começa com polêmica sobre foco das investigações

Por André Gonçalves, Gazeta do Povo

O dilema entre concentrar esforços na investigação de agentes públicos que violaram direitos humanos ou ampliar o foco para militantes de movimentos armados contrários à ditadura militar (1964-1985) marca a instalação da Comissão da Verdade, que ocorre hoje em Brasília. Nos últimos dias, três dos sete integrantes do grupo escolhido pela presidente Dilma Rousseff se posicionaram favoráveis à primeira opção. A interpretação deles gera críticas de militares da reserva e esbarra no texto da Lei n.º 12.528/2011, que criou a comissão.

Em cerimônia na Escola de Políticas Públicas e Governo realizada na segunda-feira no Rio de Janeiro, a advogada Rosa Cardoso declarou que o “Brasil não está inventando” na maneira de conduzir os trabalhos. “Hoje tem 40 comissões no mundo. Essas comissões pretendem rever condutas de agentes público e é isso que fundamentalmente vamos rever: condutas de agentes públicos”, afirmou a jurista, que teve Dilma como cliente nos anos 1970.

A opinião é compartilhada pelo advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Já o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro disse em entrevista ao jornal O Globo que a questão não pode ser transformada em um “Fla-Flu”. “Não tem essa história de dois lados, o outro lado [os militantes de movimentos armados] já foi suficientemente condenado, assassinado, desaparecido, etc. Isso não está em questão, o que está são os fatos que tiveram lugar no período”, citou Pinheiro.

Controvérsias

O alcance das investigações foi o tema mais controverso durante a tramitação da lei que criou a comissão no Congresso Nacional. Sancionado pela presidente em novembro do ano passado, o texto define em seu artigo 3.º os sete objetivos do grupo. Um deles é “identificar” estruturas relacionadas a violações de direitos humanos e suas “eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade”.

“A lei não limita a investigação a um ou outro lado, por isso essas interpretações dos membros da comissão me causam muita estranheza”, disse ontem à Gazeta do Povo o vice-presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, o general da reserva Clóvis Bandeira. O oficial foi um dos participantes de um debate comemorativo ao golpe de 1964 que acabou em confronto entre policiais e manifestantes de esquerda às portas do clube, em março.

Para Bandeira, a comissão tem um problema devido ao perfil dos indicados. “As nomeações causaram surpresa, por exemplo, por não ter nenhum historiador. Tem tanto advogado que mais parece um tribunal”, afirmou o general, que prevê o resultado da comissão como uma tentativa de “reconstrução” da história recente brasileira, baseada apenas na visão governamental. “Foi o que aconteceu na Venezuela e Argentina e não serve de modelo para o Brasil.”

Obstáculos
Pressões externas e período abrangido pela lei serão dificuldades

O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e integrante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Marcelo Lavenère, defendeu as indicações feitas pela presidente Dilma Rousseff para a Comissão da Verdade. Na avaliação dele, os sete indicados são pessoas de preparo técnico “incontestável”. “Ainda assim, não vai ser um trabalho fácil. Sabemos das forças poderosas que querem manter esses fatos nas sombras”, opinou Lavenère.

Mais moderado,o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Flávio Testa diz que há plenas condições de a comissão apurar desvios de ambos os lados. “Se houver registro, é necessário apurar.” Ele só vê problema no período abrangido pela lei, de 1946 a 1988. “Se for tudo isso para a pauta vai ter gente querendo discutir o suicídio do ex-presidente Getúlio Vargas, o que pode ser uma tentativa de esvaziar uma comissão que tem só dois anos para terminar.”

Testa também destaca que a comissão dificilmente vai acarretar punições, mas que a transparência vai levar conforto a pessoas que perderam familiares durante a repressão. “Só por isso já vale a pena.”

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