Tales Faria e Wilson Lima, iG Brasília |
Durante a abertura política no Brasil, a ditadura militar promoveu uma “grande queima de arquivo” comandada por líderes do regime com receio de que no futuro algumas execuções de integrantes da esquerda fossem denunciadas publicamente. A informação é do ex-delegado Departamento de Ordem Político Social (DOPS) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma guerra suja”, cuja primeira cópia foi obtida com exclusividade pelo iG.
No livro, Guerra aponta pelo menos dois assassinatos com esse objetivo: um do tenente Odilon Carlos de Souza, especialista em explosivos, supostamente autor do atentado ao bicheiro Jonathas Bularmarques de Souza, em 5 de agosto de 1982. A outra vítima do processo de queima de arquivo teria sido o símbolo da linha-dura do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo. Guerra admite participação nos dois assassinatos.
Segundo Guerra, essa queima de arquivo em série foi “comandada por militares, que temiam que seus crimes fossem revelados”. “Era consenso entre o comando sobre a necessidade de aparar arestas, de eliminar pessoas que causariam risco ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica”, afirma Guerra no livro. “Quando o SNI (Serviço Nacional de Informações) começou a se desmantelar por conta da abertura política, houve uma série de assassinatos de pessoas que serviam ao regime”, revela.
Essa é a primeira vez que se cogita a possibilidade de atentados contra os próprios militares para preservar o sigilo de atos cometidos pela ditadura. No ano passado, por exemplo, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, causou polêmica ao afirmar que documentos comprobatórios de atos contra os direitos humanos foram queimados pelos militares. “Não há documentos. Nós já levantamos os documentos todos, não tem. Os documentos já desapareceram. Já foram consumidos à época”, disse o ministro em junho do ano passado.
Historiadores e defensores de direitos humanos afirmaram na semana passada, quando surgiram as primeiras informações sobre o livro “Memórias de uma guerra suja” que o depoimento do ex-delegado não pode ser desprezado. Guerra, inclusive, já se predispôs a confirmar as informações dadas no livro durante as investigações da Comissão da Verdade. A expectativa é que até o final deste mês a presidenta Dilma Rousseff (PT) divulgue os nomes que farão parte da comissão.
O idealizador da Comissão da Verdade e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, por exemplo, classificou as revelações de Guerra como “chocantes” mas defendeu a checagem de alguns episódios narrados por Guerra. A mesma opinião é da historiadora Maria Aparecida Aquino, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) com mais de 20 anos de estudos sobre a Ditadura Militar.
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