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Chácara do Alemão

 

Momento da prisão dos militantes. Foto: Tribuna do Paraná

Momento da prisão dos militantes. Foto: Tribuna do Paraná

Localização: Chácara do Alemão- Boqueirão

 

Depois do Congresso da União Nacional dos Estudantes-UNE em Ibiúna (SP), violentamente impedido pelo Exército em outubro de 1968, a entidade ainda tentou organizar congressos regionais nos estados. Em Curitiba, o encontro foi marcado para 17 de dezembro, quatro dias depois do AI-5.  Para realizar o mini-congresso, que seria realizado na “Chácara do Alemão”, no bairro Boqueirão, nas proximidades do Quartel, os estudantes realizaram um esquema para que o congresso fosse um sucesso. Todas as medidas foram tomadas para isso, como por exemplo o uso de senhas para que os integrantes da UNE vindos de outras localidades pudessem identificar seus condutores, quando fossem ao congresso no dia seguinte. Os que deveriam ser condutores diriam: “onde posso comprar entradas para o jogo de futebol ?”, ao que os que deveriam ser conduzidos responderiam: “a entrada é franca. Estou indo para lá. Podemos ir !”

Os órgãos de segurança da capital, já sabiam da realização do mini congresso, e por volta das 11h30 do dia 17, um contingente da Polícia Militar da Polícia do Paraná comandada pelo Capitão Nelson Graecher e supervisionada pelo Coronel Altevir Lopes, dirigiram-se ao local da reunião e prenderam 42 pessoas que se encontravam no interior da Chácara, assim como em suas imediações. Sendo que, dos 42 aprisionados, 15 foram condenados a prisão, 13 rapazes e 2 moças em um dos processos instaurados. Os demais interrogados e liberados naquele momento. Os órgãos queriam punir os principais líderes, as pessoas que estavam em evidência, os integrantes de Diretórios, de Centros Acadêmicos, da UPE, etc.

" Um Congresso Clandestino acaba assim", era a chamada do jornal Tribuna do Paraná. Foto: Arquivo Teresa Urban.

” Um Congresso Clandestino acaba assim”, era a chamada do jornal Tribuna do Paraná. Foto: Arquivo Teresa Urban.

Foram apreendidos junto aos congressistas uma caixa de fogos de artifício, faca de cozinha (classificada como arma branca pelos militares) e  textos que os órgãos de segurança e a imprensa chamaram de “subversivos”, cujos títulos eram: “Carta Política da Chapa Nova UNE( gestão 68/69)”, “Ante-projeto de Carta Política para a UNE”, “Defender a UNE e realizar vigorosas ações de massas”, “Contribuição ao XXX Congresso da UNE”, “Uma nova direção para a UNE”, “Pelo XXX Congresso da UNE”, “O que é este governo?”, Movimento Estudantil em nossa Sociedade”,Subsídios para a discussão da Universidade Crítica”.

Os 15 estudantes (Antônio João Mânfio, Vitório Sorotiuk, Charles Champion Junior (falecido em 2012), Mauro Daisson Otero Goulart (falecido há 12 anos), Dacio Villar, Celso Mauro Paciornik, Berto Luiz Curvo, Helio Urnau, Marco Apolo dos Santos Silva, João Bonifácio Cabral Junior, Iran Vieira Dias (nome verdadeiro João de Paulo do Ceará), Marco Antonio Nascimento Pereira, Elisabeth Franco Fortes, Judith Maria Barbosa e Mario Oba) passaram a noite sendo submetidos a interrogatórios individuais por policiais. Desse momento em diante, começou a tramitar na Auditoria da 5ª Região Militar o IPM (Inquérito Policial Militar) nº 477, no qual posteriormente foram os estudantes julgados por um Conselho, como prisioneiros de guerra e condenados.

 

Depoimentos de alguns presos na Chácara do Alemão  à historiadora Angela Alves Machado.

 

 (…) fui visitar minha família, eu não lembrava de nomes de irmãos meus, por exemplo, aquela possibilidade de você vir a ser torturado,  o desejo que a gente tinha de não denunciar ninguém, eu acabei atrofiando tanto a minha memória, que eu cheguei ao limite de não lembrar de nomes de irmãos meus, de estar falando com uma pessoa e falar três frases e não lembrar da primeira (…) (Antônio José Mânfio).

 “(…) a gente vivia uma espécie de ecumenismo, a gente vivia o respeito à pluralidade, e isso enriquecia todo mundo, eu principalmente, me enriqueci muito, porque, eu passei ao longo da convivência, a conhecer mais profundamente as opções das pessoas, a respeitar as opções das pessoas, a ser mais tolerante”. (Antônio José Mânfio).

“Faziam-se planos, muita ginástica para manter o vigor físico, muita discussão, muita leitura, uma vida bem regrada, bem disciplinada, criada justamente para manter o moral do pessoal, quando alguém desanimava, sempre tinha alguém lá para consolar esta pessoa, para dar uma palavra de apoio, e por sinal solidariedade se torna uma das coisas mais caras dentro do presídio. Se criou uma rede de solidariedade muito bonita, que ditadura alguma conseguiu acabar”. (Judith Maria Barbosa)

 “A gente tomava banho e se preparava para ir comer, para andar cem metros até o refeitório, descia uma escada e andava um corredor, nos preparávamos, penteávamos o cabelo, colocávamos roupas limpas, dentro do possível nos embelezávamos, para ir encontrar nossos amigos”. (Judith Maria Barbosa) 


 

Jornal Tribuna do Paraná. Foto: Arquivo Teresa Urban.

Jornal Tribuna do Paraná. Foto: Arquivo Teresa Urban.

 

Manchete da Tribuna do Paraná

 

 Quatrocentos homens da Polícia Militar e do Corpo de Operações Especiais “estouraram” ontem pela manhã, em uma chácara do Boqueirão um congresso ilegal da extinta UNE. As autoridades souberam do encontro, e as tropas deslocaram – se ao local em caminhões frigoríficos, que despistaram a vigilância de “olheiros” surpreendendo os estudantes, e realizando sua detenção, sem maiores incidentes.

(Tribuna do Paraná, 18/12/68, Pasta 2314, DOPS – PR).

Vídeo publicado em 9 de nov de 2012

Julgamento em 1969 de líderes estudantis que foram presos na “Chácara do Alemão”, no bairro do Boqueirão, em Curitiba no mês de dezembro de 1968. Na época, eles participavam de um congresso regional da UNE – União Nacional dos Estudantes, que era uma atividade realizada com o propósito de continuar as discussões do XXX Congresso da UNE em Ibiúna-SP, interrompido pela polícia em ação repressora, que resultou na prisão de mais de 700 estudantes em outubro de 1968. Também é possível ver imagens desses estudantes no refeitório do presídio do Ahú, logo após a prisão.

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