Relatório da CNV aponta que atentado do Riocentro foi realizado por militares para retardar a abertura política

riocentroA Comissão Nacional da Verdade apresentou em abril à sociedade o relatório preliminar de pesquisa “Riocentro: Terrorismo de Estado Contra a População Brasileira” no qual conclui que o atentado foi “um minucioso e planejado trabalho de equipe realizado por militares do I Exército e do Serviço Nacional de Informações (SNI) e o que o primeiro inquérito policial militar (IPM) sobre o caso, aberto em 1981, foi manipulado para posicionar os autores diretos da explosão apenas como vítimas.

Duas testemunhas ouvidas pela CNV, Mauro César Pimentel, 52 anos, que prestou seu depoimento na audiência, e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach, 94 anos, cujo depoimento foi gravado em vídeo pelo assessor da CNV, André Vilaron, na última sexta-feira (25/04), afirmaram, respectivamente, que os militares tinham bombas no carro para um atentado com muito mais vítimas e que o primeiro IPM foi manipulado desde o início para colocar os dois autores, o capitão Wilson Machado, e o sargento Guilherme do Rosário, que morreu na explosão, como vítimas e não autores de um crime.

Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, o caso Riocentro foi o último de uma série de 40 atentados ocorridos entre janeiro de 1980 e abril de 1981, “que visavam dificultar a abertura política iniciada em 1979 e dar uma sobrevida ao regime militar”.

Segundo o relatório da CNV, apresentado pelo gerente de projetos Daniel Lerner, cerca de 20 mil pessoas estavam no Riocentro na noite de 30 de abril de 1981 para assistir um show organizado por Chico Buarque de Hollanda para o Dia do Trabalhador. O grupo que planejou o atentado conseguiu até que a Polícia Militar recebesse uma ordem para não realizar policiamento dentro do espaço onde ocorria o show.

O número de vítimas do atentado frustrado poderia ser muito maior. Além da bomba que explodiu no estacionamento, mais uma bomba explodiu na casa de força do Riocentro. O intuito era que faltasse energia que impedisse o show e causasse tumulto, mas o artefato não causou o efeito desejado. Depoimentos apontam que duas bombas sob o palco foram retiradas do local antes de serem detonadas e Pimentel e outras testemunhas afirmam que havia duas outras bombas no carro, que foram retiradas da cena do crime.

O depoimento de Pimentel foi aplaudido pelo público presente. Ele tinha 18 anos quando foi com amigos ao Riocentro para assistir o show de Fagner. Ele tinha o sonho de ter um Puma e notou algo de estranho ao olhar para o veículo e ser hostilizado e xingado pelos ocupantes do carro esporte de propriedade do capitão Machado. “Que é que você está olhando, sai daqui?”, indagou Rosário. “Só estava olhando o carro, um dia quero ter um”, respondeu a testemunha. “Vai à merda!”, praguejou o sargento.

Pimentel, entretanto, nunca mais esqueceu as cenas que se seguiram. Ele havia esquecido a carteira no carro e passou por três do Puma e pode ver no porta-malas dois cilindros iguais a outro que estava no colo de Rosário. Ele pegou a carteira e caminhou mais alguns metros e ouviu a explosão.

Imediatamente Pimentel voltou-se para trás, a tempo ainda de tentar socorrer Machado e ver sua identificação de militar. Rosário estava morto. Ele e os amigos decidiram pedir ajuda. Quando voltaram ao carro, Machado e as bombas já haviam sido levados. Pimentel discretamente deixou os documentos de Machado em cima do carro e foi embora.

Ele não tem dúvidas que os militares tinham explosivos suficientes para causar um número muito maior de vítimas no atentado. Ele guardou a história por 30 anos, inclusive de sua família, e só a revelou em 2011, pois foi da PM por 15 anos e temia represálias. “Não preciso ler, não trago anotação, pois os fatos estão na minha cabeça há 30 anos”, afirmou emocionado.

A advogada Rosa Cardoso, integrante da CNV, agradeceu o depoimento e a coragem de Pimentel. “Quero lhe agradecer pela sua firmeza e a sua coragem. Essa doação que você está fazendo à sociedade brasileira por meio é inestimável”, afirmou.

O almirante Júlio de Sá Bierrenbach era ministro do Superior Tribunal Militar (STM) quando o inquérito policial militar sobre o Riocentro chegou ao tribunal para ser julgado. O caso já veio arquivado da auditoria militar onde tramitou e o militar da Marinha foi o único a votar contra o arquivamento do processo e pedir que Machado continuasse como investigado e a apuração, retomada.

Para Bierrenbach, “o IPM (do Riocentro) foi uma vergonha e isso é facilmente demonstrável”. Ele afirmou considerar absurdas a absolvição e as promoções que Wilson Machado, co-autor do atentado, recebeu na carreira. “Vítimas uma ova! Eles fizeram o atentado. O capitão vai ao Riocentro com uma bomba, a bomba explode. O colega morre. E ele é promovido. Isso é um absurdo!”, afirmou.

O advogado José Carlos Dias, membro da CNV, que conheceu pessoalmente Bierrenbach, disse que o juiz era justo e ponderado. Para Dias, o caso Riocentro deve ser julgado pois sobre ele não recai a lei de Anistia, argumento com o qual concorda o ex-ministro do STM. “Precisamos julgar o caso do Riocentro. É uma das maiores violências já cometidas pelo regime militar, pois se tivesse dado certo, poderiam ter morrido milhares de pessoas”, afirmou Dias.

A audiência terminou com o depoimento de Betinho Duarte, da Comissão da Verdade de Minas Gerais, que falou sobre os atentados a bomba realizados por grupos de extrema direita no Estado, que foi palco de 58 atentados a bomba desde 1965. Em Minas agiam pelo menos três grupos paramilitares, entre eles o Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

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